domingo, 29 de junho de 2014

LAMÚRIAS DE UM POLÍTICO

Sentido e desiludido, há uns meses atrás, um fulano bem conhecido de um município nortenho, queixava-se que, depois de se ter esforçado brutalmente por continuar na vida política ativa, onde durante anos, por amor à causa pública, se desgastou, física, psicológica e, mais grave ainda, financeiramente, não viu outra solução senão voltar as costas ao país e virar-se para o estrangeiro, para recomeçar um novo ciclo e, de uma vez por todas, cuidar da sua conta bancária, ultrapassar as dificuldades económicas que a vida política lhe acarretou e não participar mais na “saga de delapidação patrimonial” que durante anos, ingenuamente, alimentou. Percebeu, finalmente, que o país não lhe merecia tamanhos sacrifícios, como aqueles a que se sujeitou, enquanto autarca, em prol da comunidade que serviu e da nação.
Com formação médica de base, em vez de exercer medicina, aturar doentes e exigências do Sistema Nacional de Saúde, cada vez mais aborrecido e complicado, e receber um miserável vencimento de cerca de 2 000 euros, muito menos do que um qualquer insignificante Adjunto ou Assessor de Ministro, acabadinho de sair da universidade, julgando ir de encontro ao seu grande sonho, ser político, seguiu há bem mais de uma dúzia de anos, a carreira política. Começou como gestor camarário e confessa, amargurado, perdeu muito, muito dinheiro, para além das inquietações que o cargo lhe trouxe. Segundo auditorias realizadas à sua gestão tão cuidadosa, racional, criteriosa e transparente, deixou dívidas camarárias bem difíceis de esquecer e de sanar. É óbvio que este percalço funcionou na sua vida como um despertador. Acordou, finalmente, do seu sonho lírico, resolvido a dedicar-se a atividades rentáveis e sem tantos incómodos como o exercício da medicina ou da política. Em todo o caso, embora não o reconhecendo publicamente, porque, porventura, nada lhe pesará na consciência nem existem quaisquer fundamentos que o comprovem, enquanto autarca, terá feito jeitos e favores a muita gente e não só abriu portas que lhe continuarão a estar completamente franqueadas, como usufruiu de privilégios, mordomias, subvenções e vencimento (Presidente da Câmara - 40% do PR / € 3.053,00 + € 888,78  de despesas de representação (30% da remuneração base), com os quais, enquanto clínico, jamais poderia ter sonhado.
Porém, ambicioso como é, não consegue esconder a sua desilusão e revolta por lhe terem tirado o tapete vermelho que lhe parou a marcha da continuidade na vida política do país. E brama que servir a causa pública, não como clínico, mas como político, só lhe trouxe aborrecimentos e empobrecimento.
Sente-se um verdadeiro ingénuo, porque afinal começou a malfadada carreira política com tão pouco, apenas com uma casinha herdada da família, coisa que, vendida recentemente, não lhe rendeu mais de 50 mil euros, e acabou com quase nada: vários apartamentos em Lisboa, em Troia (Grândola) e no Porto, um dos quais avaliado em mais de meio milhão de euros, para além de alguns veículos de transporte e de lazer, de duas e quatro rodas, tudo isto, afinal de contas, adquirido com as poupanças do magro vencimento de gestor autárquico correspondente a um rendimento tributável que, no ano de 2012, segundo dados apontados pela fonte que consultámos, não teria ultrapassado os cinquenta e poucos mil euros. No seu entender, o miserável salário a que tinha direito não compensava, minimamente, o tremendo e tenebroso impacto económico e psicológico sofrido durante o seu dedicado serviço à causa pública.
Frustrado, mas, ao mesmo tempo aliviado por ter decisivamente descoberto a sua grande luz estrelar ao fundo do túnel, munido de conhecimentos de gestão bem mais inteligentes e potencialmente profícuos do que aqueles de que fez uso enquanto serviu o município que deixou atolado em dívidas, este deserdado da sorte e da fortuna, está neste momento decidido a cuidar do seu património, até agora tão prejudicado pelas suas apostas profissionais, em particular, pelo exercício da política que abraçou com tanta ternura, altruísmo, estoicismo e, pior ainda, com tão poucos proventos e recompensas.
Convidado na hora certa para assumir o alto cargo de Chairman numa importante empresa vocacionada em gestão, consultoria e promoção de investimentos nas áreas do turismo comércio e indústria, em mercados internacionais africanos, aceitou sem hesitar esse cargo e livrou-se definitivamente do seu grande pesadelo: a política caseira, responsável por todos os seus traumas e desilusões.  
Moral da história: quem abraça a vida política corre o risco de ser um pobre incompreendido ou, mais grave ainda, um incompreendido pobre.

João Frada

segunda-feira, 23 de junho de 2014

PASSOS COELHO E O “DESEMPREGO INSUPORTAVELMENTE ELEVADO”

 Passos Coelho considera o desemprego “insuportavelmente elevado”.
Será que Passos Coelho sente mesmo o que diz? Preocupa-se com a situação terrível que a maior parte das famílias portuguesas vivem atualmente, de falta de emprego, de precaridade, de austeridade, de crise, muitas delas até de fome e miséria, porque nenhum dos elementos do agregado familiar conseguem trabalho, nem pais nem filhos?
Será que Passos Coelho, enquanto Primeiro Ministro, tem feito tudo o que está ao seu alcance para a criação de emprego em Portugal? Gastar à tripa forra, não reduzindo os enormes encargos do Estado, afogado em reformas principescas, para as quais muitos dos beneficiários nunca contribuíram, sugado pela pesada concessão de tantas mordomias e benesses a classes governantes e altos cargos da administração pública, desde frotas de alta cilindrada a cartões crédito e subvenções de toda a espécie, fechar os olhos às imoralidades que estão bem patentes na crónica promiscuidade entre o público e o privado, dando azo a contratos desastrosos, prejudiciais aos interesses da República, como se tem visto, e os SWAP e PPP são bem a prova disso, e elevação do IVA, poderão ser, algum dia, consideradas provas evidentes de uma séria preocupação com a situação económica do país, com as reformas estruturais ou com poupança e, em última instância, com a concentração e aplicação de dinheiros públicos em setores sociais prioritários: estímulo à criação de empresas e de postos de trabalho?
Não. Passos Coelho parece viver num mundo à parte. Ainda não parou para refletir sobre o drama que se vive no país… porque ele, e todos os seus companheiros de governação, não sentem, realmente, na pele nenhuma das faltas e mazelas que flagelam a maioria dos portugueses... muito menos a do desemprego. 
Quando alguém refere que tem calor, que tem frio, que tem fome, que tem sede, que tem febre, que tem dores, que não tem emprego… sabe do que fala.
Passos Coelho acaba de nos dizer que o desemprego está “insuportavelmente elevado”. Insuportável para quem? Para ele? Para todo o seu séquito de governantes, Ministros, Secretários de Estado, Adjuntos, Assessores? Para quem? Algum deles sabe do que fala? Há desemprego nesta classe política? Algum dia houve ou haverá?
Percebe-se bem porque é que o desemprego não os inquieta verdadeiramente. Porque nunca sentiram na pele tal “mazela”. Nem nunca irão sentir.
“Desemprego Insuportavelmente Elevado”!... diz Passos Coelho.
Como diria o Jorge Palma: “Deixa-me Rir!”


João Frada

terça-feira, 10 de junho de 2014

COMEMORAÇÕES DO DIA DE CAMÕES

A 4 de setembro de 2013, Bruxelas confirmava o crescimento nacional no segundo trimestre do ano.
Olhando para esta notícia deveríamos ficar supercontentes e dar pulos de alegria, tão só, porque aconteceu um milagre, por intercessão sabe-se lá de que santinha mais devota, dirão os mais crentes. Os meses de abril, maio e junho de 2013 foram “um espanto” em termos de desenvolvimento e de crescimento económico, à conta do turismo e, sobretudo, das exportações, afirmavam uma série de papagaios não pertencentes, necessariamente, ao bando que, todos os dias, conta as poucas sementes que lhes colocam na gaiola. E mantêm-se, ainda, melhores expetativas para o terceiro trimestre de julho, agosto e setembro, dizia a mesma notícia. De facto, o tempo quente trouxe turistas de todo o lado e “as coisas”, a continuarem assim, empurram o crescimento, mas não chega.
As exportações, o maior alicerce da economia, continuariam em alta? Duvidámos, nessa altura.
É óbvio que, a par dos milhares largos de estrangeiros que nos visitam, a vinda de outros milhares de “portugas” saídos dos quatro cantos do mundo onde trabalham e “dobram a mola”, forrando o ano inteiro para, nesta altura, virem cá de férias e poderem gastar à tripa forra, como gastaram, não foi estranha a este crescimento. As praias, então, de norte a sul, estavam cheias de turistas lusos ou luso-qualquer coisa, de primeira, segunda e terceira geração. Em cada dez, sem exagero, oito falavam francês. Na verdade, para além dos lusos, autóctones com residência permanente no país, não faltavam brasileiros, canadianos, americanos, alemães, ingleses, suecos, etc., etc. Terra sua, dos seus pais e dos seus avós, jardim de sol e tranquilidade à beira-mar plantado, de festas e romarias, de comes e bebes, de saudade e de fado, de uma boa imagem externa social, económica e política, como convém, o país acolhe toda a gente que o visita e não protesta, continuando a ser, apesar das mazelas sociais que o fragilizam, um paraíso atraente, agradável e acolhedor. E é isso que interessa. Turistas de dentro e de fora contaram-se às catadupas e taparam alguns buracos da economia nacional. Os nossos governantes aplaudiram e Bruxelas rejubilou, todos convictos de que esta torrente de euros e dólares iria continuar, ad eternum, nos meses seguintes, de outono e de inverno.
Porém, com o poder de compra dos lusos que aqui vivem todo o ano, altamente diminuídos, flagelados pelo desemprego, pelas reformas de miséria, pela sangria tributária vampiresca, sempre à espreita e pronta a dar mais uma ferroada nos bolsos dos mais débeis; com o comércio, em grandes dificuldades, lutando para se manter de pé, arrasado pelos 23% de IVA; com a indústria retraída em termos de produção interna, por não haver grande consumo, a “balança do crescimento”, nos últimos meses de 2013, apenas se iria manter mais ou menos equilibrada, à custa do setor das exportações, porque, a “mina” do turismo de massas que nos inundou no último trimestre não duraria para sempre. Alguém duvidava disso? Afirmámo-lo na altura própria, nós que não somos bruxo nem vidente, nem homem de Economia ou de Finanças e, muito menos responsável por qualquer cargo de prospeção governativa na área económico-financeira. E teríamos pago um cálice de bom Porto, e não digo qual o tamanho do cálice, porque os há de todos os tamanhos,… basta atentar nos que são de uso exclusivo dos priores…, a quem nos provasse que estávamos errados.
Esta era a perspetiva, caros leitores, que tínhamos em 4 de setembro de 2013. Hoje, em junho de 2014, com turistas que continuam a entrar, atraídos pelo sol, pela paisagem, pela excelente gastronomia portuguesa, pela hospitalidade do nosso povo, pelo Rock in Rio, pelas Festas dos Santos Populares, apesar dos milhões de divisas que aqui deixam, tendo em conta que o maior motor da nossa economia, o setor das exportações, começou a abrandar, porque era de prever que não se mantivesse sempre este ciclo ascendente, a taxa de desemprego não tem sofrido uma diminuição significativa e a TSU e o IVA subiram, o que nos irá acontecer, finalmente, com uma Dívida Pública que, desde o final de 2013, “subiu sete mil milhões de euros para 132,4% do PIB no fim do primeiro trimestre, acima da projeção oficial para 2014?”
http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/divida_publica_subiu_para_1324_no_primeiro_trimestre.html

Para que melhor se perceba o estado caótico das nossas Economia e Finanças Públicas, vale a pena olharmos para estes dados do Banco de Portugal, colhidos de um artigo de Eugénio Rosa:
“- Entre Dez/2010 e Mar/2014, a divida das Administrações Públicas aumentou de 185.844 milhões € para 258.486 milhões € (em % do PIB, subiu de 107,5% para 155%);
- A dívida pública, na ótica de Maastritch (que não inclui a totalidade da dívida pública, mas é a considerada pela União Europeia) cresceu de 162.473 milhões € para 220.684 milhões € (em % do PIB passou de 94% para 132,4%);
- A dívida de Portugal ao estrangeiro (Ativo-Passivo) aumentou de 185.221 milhões € para 205.158 milhões € (em % do PIB, subiu de 107,2% para 121,4%).
Será que alguém ainda acredita que as políticas brutais de austeridade a que sujeitaram o país e a maioria dos portugueses não devam ser consideradas um fracasso estrondoso, enquanto herança da Troika e deste Governo PSD/CDS?”

Ainda haverá razões para comemorar alguma coisa?

João Frada

domingo, 8 de junho de 2014

A DESPESA SOCIAL E AS RESPOSTAS DO GOVERNO

"Despesa social do Estado é hoje maior do que era antes da troika", diz Passos Coelho. Virado para o desenvolvimento social, o primeiro-ministro garantiu ainda que “mesmo num momento de gravíssima evidência financeira mobilizamos recursos como nunca antes”. Para o líder do Estado, durante o período de crise, “cresceram necessidades e carências sociais, mas se as necessidades aumentaram, os recursos para fazer face também aumentaram apesar da escassez financeira”.
http://www.noticiasaominuto.com/economia/231141/despesa-social-do-estado-e-hoje-maior-do-que-era-antes-da-troika

Parece que o Senhor Primeiro Ministro se sente feliz e de parabéns, perante estes resultados governativos: mais recursos para mais despesas.
Mas quais recursos?
Descobriu-se a pólvora, ouro às carradas, ou, finalmente, o sonho de Joe Berardo, enquanto principal acionista da Mohave Oil & Gas, acabou por se concretizar com a descoberta do petróleo no subsolo de Aljubarrota? Ou espera-se, porventura, que o FMI nos empreste mais uns “cobres” a juros zero, perante um “mini-memorando”, mais um, última receita fundamental à definitiva reabilitação económica do país e ao reforço dos recursos do Estado, supomos nós, de algum modo, capazes de gerarem mais receita pública, agora que as exportações têm vindo a abrandar e a dinâmica do consumo interno da população residente é insignificante?!
“Entre janeiro e março, a economia caiu 0,7% face ao período de outubro a dezembro de 2013, quando as expectativas apontavam para um crescimento de 0,4% de PIB.”
http: // silviadeoliveira.wordpress.com
Estará Passos Coelho convencido de que algum milagre mega-recursivo virá salvar a economia nacional e endireitar a balança financeira do país,  tão enferrujada e desgastada, ainda por cima, afirma ele, confrontada com tamanho aumento de “necessidades e carências sociais”?
Agora com a Troika fora da jogada, se não for o FMI a dar-lhe a mão, Passos Coelho é capaz de não vir a ter tanta sorte, assim, de não poder contar com mais fontes de recursos, sobretudo, aquelas de que, “como nunca antes”, pôde dispor, ou seja, com as reformas e pensões dos aposentados, de onde sugou centenas de milhões de euros. E isto, porque esta franja social, sujeita a uma tremenda punição de “aleitamento forçado” a que o Estado, mamão, a obrigou, se já não era fonte mamogénica recomendada, face a uma senilização patente a todos os níveis da sua fisiologia existencial, virou um úbere seco e não disponível. Esta, sim, enquanto durou, foi a grande descoberta do Governo chefiado por Passos Coelho. Mas, não duvidamos de que o P.M., arguto como é, saberia bem onde poderia obter outros bons recursos e bem mais gordos para resolver a escassez financeira do país … só não tem nem teve coragem para o fazer. Visivelmente, é-lhe mais fácil não confrontar poderes instalados e alvejar sempre os mesmos: 3 a 4 milhões de portugueses. Estes, porém, visivelmente, embora lhe tenham servido de boas “almofadas” para suportar a crise, nesta altura, constituem um lençol freático nas lonas. E os que poderiam vir a servir-lhe de fonte de receita, equilibrando os gastos com a Despesa Social, são cada dia em menor número.
Com milhares largos de jovens que zarparam daqui ou, na opinião de muitos analistas, seguindo religiosamente os “inteligentes” conselhos dos nossos governantes, incluindo o Primeiro Ministro, foram “pregar para outras freguesias”, emigrando em massa e, claro, contribuindo, deste modo, para a força de trabalho e para o reforço da Segurança Social de outros países, a que se somam outros tantos milhares largos de portugueses, em idades válidas, caídos no desemprego, os quais, naturalmente, não têm expectativas nenhumas de poderem vir a trabalhar, dando o seu contributo a este setor economicamente fragilizado (Segurança Social), e tendo ainda em conta que muitos destes desempregados, caídos no marasmo, na depressão e nos vícios, afogados em psicofármacos e em álcool, como forma de alienação e de amnésia, vão pesando, e bem, invariavelmente, na mesma Segurança Social, através de uma considerável elevação de despesas com os recursos da Saúde, face às maleitas físicas e psicológicas que acabam por contrair neste ambiente caótico de crise, de austeridade de tristeza, de frustração, de desânimo e de total falta de autoestima, por tudo isto e perante tantas razões, ainda há quem pareça demonstrar alguma perplexidade, quando vê aumentar a despesa com a Segurança Social…embora se sinta feliz porque o Estado dispõe de mais recursos financeiros para fazer face a tanto descalabro social. Este otimismo, se não fosse trágica a situação vivida e sentida por milhões de portugueses, dia a dia, patente numa retração de consumo interno indesmentível a todos os níveis, a qual, permanentemente, se tenta esconder dos mercados e dos credores, dourando a pílula com demagogias tributárias de “sobe e logo desce”, como se eles fossem burros ou distraídos em relação ao que se passa, levar-nos-ia a sorrir. Assim, ainda que nos custe, resta-nos rir.
Será que Passos Coelho acredita que vai continuar a poder responder ao crescendo das despesas sociais, apenas com as fontes de que dispõe, taxas e impostos, ou estará preparado para bater a outras portas e abrir novos horizontes, em termos de receita pública?

João Frada

quarta-feira, 4 de junho de 2014

O “NATURAL” EM POLÍTICA

Dizia Poiares Maduro, no Fundão, em 9 de Junho de 2013, a propósito da (re)candidatura de Passos Coelho, a Primeiro Ministro (PM), nas próximas legislativas de 2015:
"Acho isso absolutamente natural, tenho confiança que será o caso", referiu.
O governante acredita que até final da legislatura os portugueses "vão compreender que os sacrifícios que tiveram de ter nestes últimos dois anos foram justificados para criar as bases sólidas de um crescimento económico e de uma economia portuguesa que seja muito mais sustentada".
Para Poiares Maduro, "um primeiro-ministro deve esperar submeter-se a eleições, deve ansiar por isso, pelo voto dos portugueses".
"Acho que isso corresponde à própria esperança do primeiro-ministro em que todos os portugueses vão reconhecer o trabalho que está a ser feito", acrescentou. (…)
"Eu não sei qual o meu futuro político para além desta legislatura, mas não terei dúvida em apoiar o primeiro-ministro Passos Coelho independentemente do meu futuro na política”.
Revendo estas afirmações, não resistimos a proceder a uma reflexão minuciosa sobre o que lemos.
Poiares Maduro, independentemente do currículo que todos lhe reconhecem e da boa vontade clânico-analítica de que enferma, como seria de esperar, e que faz questão de transmitir quando fala do “reconhecimento de todos os portugueses” em relação ao trabalho do senhor PM, será que tem mesmo a certeza do que diz? Será que os portugueses, exaustos e espoliados pela crise e pela austeridade, sem emprego, sem casa, sem comida, vão achar “natural” a recandidatura do PM? A herança política herdada de Sócrates foi um desastre, mas a herança que Passos Coelho está disposto a deixar aos portugueses não é melhor.
Poiares Maduro, inteligente como dizem e parece ser, deve andar noutra galáxia, uma vez que dá mostras de não se aperceber do estado caótico a que chegou a vida da maioria dos portugueses, esses todos de que fala, como presentes e futuros apoiantes incondicionais do PM. Desemprego, que não para de aumentar, fome, miséria, instabilidade social em crescendo, revolta… por enquanto apenas traduzida em apupos, vaias, assobios, manifestações, greves e cartazes…, será isto que irá contribuir “amanhã” para o dito “reconhecimento” por parte de todos os portugueses, expresso no voto das eleições legislativas de 2015?! Duvidamos, mas respeitamos a visão lírica de quem quer que seja, tão crente como Poiares Maduro acerca do real status quo do país e da afetividade política dos portugueses, enquanto potenciais eleitores e votantes na recandidatura de Passos Coelho. De resto, em quase todo o lado por onde o PM tem passado, é notório esse ambiente de simpatia e benquerença! O séquito de seguranças que o rodeiam é a prova disso mesmo: todos os portugueses, e ele próprio, “vivem com grande ansiedade” a passagem da sua comitiva e a sua visita ou presença pessoal em todo o lado!  
Passos Coelho teria, seguramente, hipóteses de vencer por larga maioria as próximas eleições, é certo, se a sua tão determinada ação política de “corte nas gorduras, mordomias, regalias e demais irregularidades” tivesse começado por cima e não por baixo, se o seu lema fosse a equidade e não a desigualdade, se a sua coragem o levasse a afrontar poderes, privilégios e interesses instalados na sociedade, na economia, na banca, na administração pública e no próprio parlamento. Aí, sim, a sua continuidade como PM estaria garantida. Porém, opta por massacrar aqueles que nunca lhe deram ou darão votos e não poupa aqueles de quem poderia esperar alguns. E fá-lo com toda a “naturalidade”.
Parece que a “naturalidade” é mesmo a sua marca. E, de tal ordem, que assistimos a episódios cómicos e politicamente maculosos da sua figura (do PM), ainda que ele não dê por isso, como a defesa e apoio “até à última” do ministro Relvas, o tal do canudo com equivalências; depois ficámos perplexos com a história da Tecnoforma, empresa da área da formação profissional, da qual Passos Coelho foi consultor e administrador, e que agora está sob investigação do Gabinete de Luta Anti-fraude da União Europeia (OLAF), na sequência da queixa apresentada pela deputada Ana Gomes. Esta empresa (Tecnoforma),tal como o Centro Português para a Cooperação (ONG), também fundado por Passos Coelho e do qual Miguel Relvas também foi secretário, dirigidos pelo próprio Pedro Passos Coelho, receberam ambos fundos europeus e, por isso mesmo, “todos os portugueses”, incluindo Ana Gomes, quererão saber se houve ou não manipulação desses fundos para benefício de projetos privados, desprovidos ou defraudantes do interesse público”. Assinale-se que só a Tecnoforma terá, alegadamente, obtido “entre 2002 e 2004 cerca de 76% do total dos financiamentos europeus atribuídos na região centro à totalidade das empresas privadas que concorreram à realização de ações de formação para funcionários das autarquias locais no quadro do programa Foral. Nesse período, a tutela desse programa cabia a Miguel Relvas, então secretário de Estado da Administração Local no Governo de Durão Barroso.”
 “O gestor do programa na região centro e os principais quadros técnicos da Tecnoforma tinham sido correligionários de Pedro Passos Coelho e de Miguel Relvas na direção da Juventude Social-Democrata. Um dos projetos mais caros aprovados no quadro do Foral em todo o país foi então apresentado pela Tecnoforma na região centro e contemplava 1063 formandos que deveriam tornar-se técnicos de aeródromos e heliportos municipais.(…)
O total do financiamento aprovado, com Miguel Relvas a patrocinar diretamente o projeto, ultrapassava 1,2 milhões de euros. Na região centro existiam à época nove aeródromos municipais, mas só três tinham atividade, ainda que residual, e uma dezena de trabalhadores. No final, a Tecnoforma recebeu apenas um quarto do subsídio aprovado, mas nenhum dos inscritos conseguiu ver a sua formação certificada.”
A par do OLAF, há vários meses que decorrem dois inquéritos na Justiça portuguesa relativos às suspeitas de irregularidades nos financiamentos atribuídos à Tecnoforma e ao Centro Português para a Cooperação. Um deles no Departamento de Investigação e Ação Penal de Coimbra e o outro no Departamento Central de Investigação e Ação Pena, em Lisboa. Neste último, a arquiteta Helena Roseta, ex-presidente da Ordem dos Arquitetos e atual vereadora da Câmara de Lisboa, foi ouvida em Janeiro de 2013. Depois disso, não mais se ouviu falar em tal assunto. Foi arquivado? Extraviou-se o processo, desapareceu a documentação fundamental para o esclarecimento da “coisa”, como aconteceu com a respeitante à compra dos submarinos? Não sabemos. Será que alguém acredita que este outro contributo em torno da Tecnoforma e do seu amigo Relvas pode representar para o PM, bem como para todos os seus admiradores, incluindo Poiares Maduro, uma boa achega e uma posição “natural” e favorável para a dita recandidatura?  
A par da dívida política de Passos Coelho em relação ao seu correligionário Miguel Relvas, estruturada na JSD (Juventude Social Democrata) e reforçada, como este dizia no seu discurso despedida, durante “os dois anos de funções governativas (…) a que se somaram os dois anos anteriores, no decurso dos quais Relvas acreditou e lutou no interior do (…) partido pela afirmação de um novo líder que encabeçasse um projeto de mudança para Portugal, as notícias ligadas à criação e atividades da Tecnoforma, bem como do Centro Português para a Cooperação, vieram trazer luz a este relacionamento tão estreitamente “somático”. Passos Coelho defendeu e manteve Miguel Relvas, o seu braço-direito, até à última.
A última prova desta afeição tão anímica, como afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, foi a nomeação de Miguel Relvas para cabeça de lista do Conselho Nacional do PSD, anunciada em fevereiro de 2014, a qual, considera o comentador, foi uma "reparação pessoal" feita por Passos Coelho e "um gesto de amizade”.
Alguém acha isto “natural”?!
Como diz o povo, em política, tudo o que se promete, cumpre, falta, diz e desdiz, faz e desfaz, é “natural”… até aquilo que se defeca.  

João Frada