Um Reino com Futuro, sem Sobressaltos e Incertezas
Feliz o reino que, em vez de
um, tem dois príncipes, um Primeiro e um Segundo, a governá-lo com tanto
empenho e dedicação, os quais, aparentemente, diferentes em termos de
personalidade e de feitio, se têm esforçado para, em nome de uma suposta
sintonia ideológico-política, poderem governar, sorte a deles, um bando de
súbditos, na sua maioria, pacíficos, amorfos e incapazes de fazerem ondas.
Um deles, mais conhecido como “Príncipe
das Feiras”, depois do outro alertar que a Segurança Social do reino está em
risco e de perspectivar que, uma vez mais, irão ser os pensionistas e
reformados a terem de contribuir com novos cortes nas suas reformas e pensões
para o equilíbrio e continuidade deste organismo, cada vez mais “inseguro”
(dever-se-ia ponderar se não seria melhor designá-lo de Insegurança Social), aparece-nos
a afirmar, com a maior convicção, que o “futuro” do reino, nas mãos da
coligação, vai ser um mar de rosas, “sem sobressaltos e incertezas”.
O “Primeiro” não consegue
perceber que nenhuma Segurança Social se equilibra sem gente a trabalhar e a
descontar para o seu garante no presente e no futuro. Os empregos que diz terem
sido criados, na sua maior parte, não passam de pseudo-empregos ou de subempregos
de curta duração, incluindo cursos de formação e outras artimanhas para
ocuparem, com “meia dúzia de horas semanais”, quem não tem trabalho, mesmo em
organismos do Estado, e, comicamente, embora mal possibilitem a sobrevivência
dos ditos “empregados”, são considerados, em termos estatísticos, como uma
amostra evidente de “descida da taxa de desemprego” no país. É óbvio que a
descida desta taxa, na opinião do Primeiro príncipe, o que se julga mais inteligente
dos dois, não resulta jamais da quebra de procura de emprego nos Centros de
Emprego e Formação Profissional. Não. Baixou porque tinha de baixar com a sua,
mais do que eficaz, orientação governativa. Nunca se criou tanta oportunidade
de trabalho neste reino… de fantasia…, diz ele, comparativamente a outros
reinados. Mas, os que têm ou teriam hipótese de serem aceites como empregados,
entre os 20 e os 40, na sua maioria, emigraram, ou seja, deixaram de aparecer
nos ditos Centros de Emprego; partiram para outras “freguesias” mais certas, mais
fiáveis e rentáveis, noutros países. Os que por cá ficaram, com idades que
oscilam entre os 40 e os 65 anos, esses, no desemprego e postos a andar quer de
empresas quer do próprio Estado, porque são “velhos”, tantas vezes foram bater
à porta dos ditos Centros de Emprego e em busca de novas ocupações, que se cansaram
e voltaram as costas. Desistiram de visitas a estes “Centros”, Vivem de
biscates, de expedientes e desenrascas, pendurados nos pais, também estes, velhos,
sem posses e sobrevivendo com míseras reformas, e assim irão continuando na condição
de “desempregados crónicos”. Todavia, este pequeno problema não é problema
porque está em vias de deixar de existir, assegura o inteligente príncipe: a
taxa de desemprego está cada dia mais baixa. Que maravilha! Nunca este reino proporcionou
tanto trabalho aos seus súbditos, e os dois príncipes que governam o reino
nunca andaram tão felizes. E, ambos, expressam com vigor a sua satisfação: o Primeiro
fez questão de apregoar, recentemente, aos sete ventos que este oásis que
governam deve ser considerado, por todos, como um reino “rico” e a caminho da
prosperidade…só temos, é, de encontrar esse caminho*…,não obstante a contínua
sangria de pensões e reformas, não das gorduras de Estado ou das chorudas subvenções
de todo o séquito governativo e dos altos cargos do reino, mas da plebe, imprescindível
para equilibrar as finanças públicas e, em particular, a dita Insegurança
Social.
O Segundo, para não ficar
atrás, cuidou também de escolher um slogan
compatível com as suas crenças e certezas e afirma, peremptoriamente, que todo
o reino deve acreditar na união governativa, da qual faz parte, porque apostar
nesse casamento é apostar num “futuro” risonho, feliz, abundante de empregos e bem
remunerados, “sem sobressaltos e incertezas”. Que Belos príncipes que nos têm
governado até agora e que, nunca se sabe, poderão continuar, nesta quase
perfeita união, a defender, com unhas e dentes, tamanha felicidade entre os
seus súbditos, traduzida pelo acesso ao bem-estar, ao pleno emprego, à
educação, à saúde, à corrida à natalidade, altamente apoiada por toda a nobreza
do reino e, finalmente, à merecida e justa reforma, depois de uma vida de
descontos. A Segurança Social, com tantos contribuintes e tanto emprego, jamais
virá a ficar em risco. Deixará de ser, a atual insegurança social, a única pequena
mazela deste reino. Alguém é capaz de afirmar o contrário?! Acredito que não.
O nosso reino, nas mãos destes
dois príncipes, só pode mesmo esperar um “futuro” promissor “sem sobressaltos
ou incertezas”.
*”Passos diz que Portugal é
considerado um país rico no mundo”
João Frada
Professor Universitário (Ph.D)
Calendas Semânticas, 2000