A ideia de discorrer sobre este problema, “o nosso eterno complexo da pequenez”, não é original. Já foi tratada e “retraçada” por muitos outros articulistas e analistas, mas nunca é demais proceder a mais uma “catarse”. O doente de foro psicológico (e quem é que actualmente, e neste estado de coisas, está imune à doença) raramente melhora na primeira sessão de análise. Repete-se, rebusca-se, “introspecciona-se” ou “extrospecciona-se” umas tantas vezes, organiza as suas ideias desarrumadas e acaba por encontrar algum equilíbrio fundamental à coexistência pacífica dos seus estados de espírito (emoções, complexos, frustrações, medos, revoltas, traumas e impotências) e do seu instinto de sobrevivência.
Há 500 anos, ansiosos por sair da nossa pequenez, rumámos ao desconhecido e na pertinácia e ousadia fomos capazes de impor a nossa língua, a nossa cultura, a nossa raça pelos quatro cantos do Mundo. As vicissitudes, porém, ontem como hoje, eram muitas e depressa perdemos o fôlego numa tarefa que nada tinha de liliputiana. Faltou-nos a organização, a solidariedade individual e colectiva, a sobriedade institucional, a honestidade, a visão projectada no futuro. Minados por uma “tendência quase hereditária” para o facilitismo, corrupção e venalidade, rapidamente voltámos à nossa pequenez.
Acabou-se-nos o afluxo das especiarias do Oriente e o ouro do Brasil, e, na segunda metade do século XX, não soubemos encontrar o rumo civilizacional que haveria de nortear quase todos países europeus na reestruturação social e económica do pós-guerra. Orgulhosamente sós, alheados das novas realidades empresariais, tecnológicas e científicas, voltados para a nossa pequenez e para as colónias, onde também apenas implantámos a mesma forma de ser e de estar, sempre pequenez, perdemos uma nova etapa ou oportunidade de progresso e desenvolvimento e distanciámo-nos mais do pelotão da frente. Acabada a “teta”colonial, que só serviu para a amamentação de alguns, com magros recursos e pobres ideias, não apostámos na educação das nossas gentes, alimentámos o analfabetismo e a ignorância, distribuímos bulas e credos benfazejos de bem-estar individual e social, fazendo crer que a nossa sina era vontade de Deus e que o vinho, não a instrução, dava de comer a um milhão de Portugueses. Até poderia dar, se, na altura própria, depois da nossa entrada na Comunidade Europeia, com torrentes de fundos estruturais, escoando anos seguidos para o nosso País, tivesse sido criteriosamente definida e orientada a sua aplicação em projectos de viticultura rentáveis, sérios e economicamente viáveis, geradores de emprego, riqueza e desenvolvimento social. Metade dos avultados subsídios europeus (milhares de milhões de euros), caíram directamente nos canais e esgotos da corrupção e da venalidade. A marca da pequenez, em relação a objectivos e a valores positivos, uma espécie de contrafacção que os governos sucessivos teimam em continuar a produzir, apesar dos protestos cada vez mais sonoros de rejeição, audíveis em todos os quadrantes sociais e políticos, continua a substituir a ideia de um futuro próspero, com melhor qualidade de vida e saúde física e mental para a grande maioria dos Portugueses, esses que representam e sentem na pele a pequenez das suas condições de vida, a pequenez da empregabilidade (pelo desemprego ou pelo emprego precário ou temporário, mal remunerado), a pequenez alimentar pela magreza de recursos, a pequenez de alegria e de bem-estar pela carga fiscal, directa e indirecta que os avassala, a pequenez de formação que lhes não garante capacidade competitiva neste mundo global, e a pequenez demográfica das famílias portuguesas, como é óbvio, pouco incentivadas e apoiadas pelo Estado, no domínio da educação, da saúde e de toda a logística económica e formativa exigida por qualquer criança, não apenas na idade escolar.
Querem-se meninos inteligentes, competitivos, criativos, aptos a receber formação continuada e “de excelência”, mas, paralelamente, os seus pais vivem numa permanente angústia de subemprego, de desemprego ou de emprego precário ou de baixos salários), querem-se jovens com preparação técnico-profissional, universitária ou não, para apostar na grande competição tecnológica e económica que marca cada vez mais as sociedades industrializadas e desenvolvidas do século XXI. Para qualquer recém-licenciado ou jovem, porém, a aposta convicta na educação e na formação contínua, especializada e prática, conducente ao êxito profissional e laboral, perante a crescente pequenez da economia portuguesa, afogada no desemprego, no miserabilismo salarial e na permanente ausência de oportunidades, visível em todos os sectores, industrial, tecnológico ou científico, é um esforço, um apelo, pouco convincente. E assim, sem grandes perspectivas de futuro, ou emigram, “ofertando” a sua inteligência e a sua capacidade produtiva e criativa além fronteiras, e o recente meeting de cérebros portugueses em troca de melhores contrapartidas, ou desistem a meio da sua formação escolar, engrossando o pelotão de gente impreparada, analfabeta, incapaz de ser competitiva, num mundo laboral cada vez mais exigente e pautado por regras de mérito e excelência. Na nossa pequenez, não apostamos suficientemente na nossa juventude. As condições impostas pela nossa pequenez política e governativa, mais apostada em ultrapassar algum trauma arquetipal com obras megalómanas, de fachada, estádios, aos montes, centros e exposições culturais, que nos levam anéis e dedos, megaestruturas ferroviárias e aeroportuárias, o mais onerosas possíveis, “como manda a tradição”, resultam, obviamente, num corolário económico inevitável: os elevados gastos exigidos por tais projectos, que até poderiam ser compreensíveis se ponderados com equilíbrio, rigor, transparência e sentido de Estado, conduzirão, impreterivelmente, uma vez mais, a uma abundante sangria dos habituais “dadores involuntários: a classe média, os funcionários públicos, os trabalhadores por conta de outrem e todos aqueles que, sendo uma grande maioria demográfica, vivem na anemia económica, social, educacional, sanitária e agora quase afónica, deste país. As minorias economicamente privilegiadas, da grande indústria, dos bancos e seguradoras, com acesso a energias mais baratas (electricidade, gás, combustíveis, a tributos muito mais baixos (patentes em IRC, isenções, etc.) e a lucros anuais fabulosos, bem como as franjas “fora do sistema”, algumas delas movimentando milhões de euros, e o negócio da contrafacção é a prova disso, continuam a não participar no esforço económico e fiscal que é ou deveria ser de todos, mas, lamentavelmente, cabe só a alguns aguentar. Sentido de equidade, de justiça, de moralidade, perderam-se completamente na vertigem dos sucessivos governos que temos eleito. Será que a nossa permanente pequenez, e falo pela grande maioria dos que, estoicamente, suportam o sistema, é uma condição sócio-genética irreversível? Talvez não. Se todos participassem ou tivessem que participar mais no esforço conjunto do sistema, os mais ricos continuariam pouco afectados e os menos ricos viveriam mais desafogados. Se os mais abastados pagassem um pouco mais (e medite-se, por exemplo, nos lucros fabulosos dos bancos portugueses nos 2 últimos anos) e aqueles que pouco ou nada pagam, através de adequados mecanismos fiscais (cruzamentos de dados informáticos, contas bancárias, sinais exteriores de riqueza, registos de bens e património, leasings, seguros, cartas de condução, etc.), pagassem também à sua escala, então, através desse esforço conjunto mais harmonioso e justo, poder-se-ia, gradativamente, baixar o miserável e pseudo-provisório imposto IVA de 23%, que empobrece Portugal e todos os portugueses, em particular, os que constituem a pequenez económica do país. Não acredito em iluminados e esta receita não fará de mim um iluminado. Os especialistas em Finanças públicas já terão pensado nestas e em outras hipóteses, quantas vezes? As ideias de muitos políticos que têm passado pela governação e podemos apontar, entre outros, o Eng.º. João Cravinho, preocupados com a a evasão e corrupção fiscal, afloraram, com grande rigor as diversas medidas capazes de limitar esse cancro da economia nacional. Então, o que tem faltado ou falta ao governo para as pôr em prática? Ousadia política? Até nisto somos exemplo de pequenez política. Corrigindo uma boa parte dos 40 mil milhões da economia paralela, equilibrávamos a nossa balança externa, corrigíamos o malfadado défice e libertavamo-nos de vez das troikas e dos FMI. De outro modo, serão sempre os mesmos a apertar o cinto e, na verdade, a grande maioria só tem mesmo um cinto para apertar. À nossa volta, porém, quantos vemos com 2, 3 ou mais cintos, bem largos, que mal sentem aperto ou nunca foram (ou virão a ser) apertados. A lei e as obrigações destinam-se apenas a quem usa um cinto. Quem detém mais do que um ou usa suspensórios fica isento ou nem dá por isso. É pena, porque se a vontade política dos nossos governantes não se pautasse, apenas, pela pequenez e fosse mais recta e abrangente, os Portugueses acreditariam mais nos seus representantes, nos seus deputados, na sua governação.
Com mais receita, obtida à custa de uma política séria de equidade e de justiça, baixavam-se os impostos e os preços energéticos, fixavam-se e atraíam-se novas empresas, dissuadiam-se as deslocalizações de outras, tornava-se o nosso mercado económico mais aliciante, aumentava-se a possibilidade e a oferta de emprego e de salários, reduziam-se fricções laborais e sindicais, garantiam-se boas margens de lucro empresariais, com subsequentes estabilidade de emprego e ganhos familiares mais justos e duradouros. A economia rejuvenescia, a maioria das famílias portuguesas sairia, lentamente, da situação de pequenez económica, frustrante e doentia, em que se encontra, estancar-se-ia definitivamente a emigração das nossas gentes (incluindo imensos jovens cientistas que, por ineficácia do sistema, nunca mais virão trabalhar no seu País), a educação revelar-se-ia um bem fundamental para todas as gerações, as de hoje e de amanhã, e a sociedade portuguesa encontraria, certamente, algum bem-estar e qualidade de vida.
Enquanto os nossos governantes não apostarem nestas transformações obrigatórias, acreditando que encontram, apenas, a solução dos problemas da crise através de um maior controlo fiscal, sempre dirigido contra à classe média, congelando salários (seria melhor chamar-lhe hibernação plurianual, indeterminada), não olharem para uma distribuição equitativa e justa desse esforço tributário, aplicado a todas as classes sociais e profissionais, não regularem o custo de vida, em particular, no que se refere a necessidades básicas, não controlarem as [suas próprias] despesas públicas, esbanjadoras e perdulárias, evitando desperdícios e vícios de gestão com pareceres jurídicos e com gastos supérfluos, enquanto não houver uma entidade, isenta e neutra, que regule, imparcialmente e sem pressões, os gastos do próprio Estado, Portugal nunca passará da pequenez em que se encontra. Alhearmo-nos desta realidade é aceitarmos, definitivamente, a nossa condição de pequenez económica, política, cultural e social num Mundo cada vez mais global e em desenvolvimento.
João Frada
Professor Universitário