Ainda no seguimento do último artigo, a propósito das afirmações de Daniel Bessa, ex-ministro da Economia, sobre o não aproveitamento dos nossos recursos, que, não sendo muitos, chegariam, seguramente, para nos propiciar um desafogo económico e financeiro mais favorável, se os nossos dirigentes, os atuais e os que os precederam, tivessem “dois dedos de testa” com a acuidade necessária ao seu aproveitamento inteligente e sustentável, debruçamo-nos agora sobre outro setor: a floresta.
Ontem mesmo, passou uma peça na TV sobre o desenvolvimento socioeconómico espantoso observado em Gussing, aldeia austríaca que, condenada à desertificação demográfica e à pobreza, soube aproveitar os seus recursos e sair desse marasmo, quando, na década de 90 do século passado, se virou para a megaprodução energética a partir da sua floresta. Nasceram aqui as primeiras centrais de biomassa da Europa. Hoje, é um local aprazível, revelando um índice de progresso, de riqueza e bem-estar invejáveis garantindo à população, com esta autêntica revolução tecnológica, emprego estável e uma total autonomia de energia limpa e autossustentável.
Mas, inovações deste tipo, em Portugal, só quando não existir floresta disponível! Com os milhares de hectares ardidos todos os anos, sem nenhum proveito para o país, a não ser para os madeireiros, é claro, que compram o produto chamuscado a preço da “uva mijona” e “chamam-lhe um figo”, a este negócio sazonal…
“A limpeza atempada e obrigatória das faixas laterais dos caminhos e estradas nacionais e florestais, através da recolha de biomassa constituída por matos, caruma, pinhas, ramos e troncos secos altamente inflamáveis, é, na nossa opinião, uma das prioridades mais urgentes para a prevenção deste constante descalabro ecoambiental mas, curiosamente, é mesmo a mais descuidada pelo Estado em todas as áreas florestais do território nacional. Bastaria, apenas, que este, mesmo não sendo o maior proprietário de matas e florestas, desse o exemplo, mandando limpar os solos florestais na época certa. Apesar das vozes especializadas que se ouvem, constantemente, apontando com grande convicção e autoridade as medidas certas para a solução deste problema, as quais não iriam determinar apenas uma redução drástica do risco de incêndio nas zonas de maior risco, mas poderiam também constituir, para além de uma importantíssima fonte energética (térmica, elétrica, etc.), uma oportunidade de emprego local para muita gente, os governos sucessivos tardam “em olhar” para a importância desta medida estratégica. Nesta fonte de trabalho incluem-se, naturalmente, os que anseiam por trabalhar e se agarram a tudo e aqueles que nada fazem e vivem parasitando o Estado, cultivando a preguiça, os vícios e a vida fácil, pendurados em subsídios a vida inteira ou vivendo “à sombra da bananeira”, fora e dentro das penitenciárias, comendo, bebendo e engordando “à conta do pagode”.
O trabalho dignifica e ocupa a mente e, à falta de melhores ofertas de emprego e ocupação, a limpeza de matas é uma tarefa de importância nacional que urge realizar. Em relação a esta medida, concordamos em absoluto com Moita Flores. Dignidade, noção do sacrifício e respeito pelos bens alheios são conceitos, noções que se aprendem também a trabalhar, suando, sentindo bem na pele o esforço exigido a tantos portugueses, aos “presos cá de fora”, acorrentados aos seguros e dívidas da casa e do automóvel, à conta obrigatória mensal da mercearia ou do supermercado, às múltiplas despesas do gás, da luz, da farmácia e da escola dos filhos, ao desgaste constante da luta pela sobrevivência diária. Assim, não seria pedir muito, solicitar colaboração a quem nada faz e de tudo tem sem grande esforço, com exceção da liberdade total, temporariamente restringida. Lembram os mais sarcásticos que quem gosta de “limpar” a fortuna do alheio, bancos, multibancos, ourivesarias, bolsos e carteiras, etc., seguramente, “sentir-se-á em casa”, limpando matas, caminhos, florestas, aceiros, valas e sarjetas. É só uma questão de instrumentos ou equipamentos: trocam as armas por vassouras, ancinhos, pás e picaretas e aplicam-se com igual empenho nestas operações ecológicas.
Já se implementou e iniciou em Portugal o modelo ou “sistema brasileiro” de prisão ocupacional em regime aberto e, parece não haver dúvida de que através do exercício de uma profissão, é possível a reintegração social de muitos ex-presidiários, os quais, empenhados nas suas ocupações não só descobrem os valores do civismo e da moral, como encontram e estruturam no trabalho físico ou intelectual a sua própria dignidade e personalidade, enquanto cidadãos.
Mas, nesta iniciativa de cooperação e solidariedade nacional, devemos também poder contar com um exército de gente, sem habilitações literárias ou técnicas diferenciadas, que pouco se esforça para arranjar ocupação, enquanto o Estado não se decidir a criar ou a exigir soluções alternativas compensadoras, contrapartidas de trabalho cívico e social que justifiquem os respetivos subsídios de desemprego e rendimentos sociais de inserção.
A par das obrigações e medidas assumidas pelo Estado, em relação à proteção e limpeza do seu património florestal, os proprietários de matas privadas, esses, receberiam também apoios e compensações governamentais e, sobretudo, autárquicos, para procederem, na época adequada, à respetiva limpeza, recolha e canalização dos seus resíduos florestais para a central de biomassa mais próxima. Face a tudo o que apontámos, convidamos os senhores leitores, com responsabilidades, ou não, nas políticas de gestão e desenvolvimento autárquico ou central a meditarem no impacto da exploração de Fontes de Energias Renováveis desta natureza, em Gussing, na Áustria. É, claramente, um exemplo para todos os países europeus, e não só, que se debatem com os mesmos problemas energéticos, climatéricos, sociais e económicos.
Como afirmámos mais acima, isto da limpeza e recolha de resíduos florestais, não é nem seria uma utopia. Especialistas como João Pedro Correia Bernardo e Carlos Pimenta, entre outros, defendem a ideia do aproveitamento da biomassa em termos de produção de energias renováveis, ligadas a um desenvolvimento sustentável. As mentes inteligentes que nos governam, porém, têm estado mais ocupadas na luta contra os incêndios e menos na sua prevenção, como se vê. E não nos parece que seja mais barato. A avaliar pelos milhões de euros gastos todos os anos nesta tarefa inglória, em que se perdem vidas e bens sem conta e ao país, em termos sociais, nada se acrescenta, a não ser mais tristeza e desilusão, se estas estratégias a nada ou a muito pouco conduzem, porque não arrepiar caminho e tentar outras saídas para combater e prevenir estes flagelos anuais de todos os verões e, simultaneamente, propiciar um novo fôlego à economia portuguesa através da construção de megacentrais de biomassa?!” (Texto publicado por nós, com o título A Floresta Portuguesa no Rescaldo do Verão – Crónica III, no jornal O Figueirense, em 02.01.2009)
Apetece-nos perguntar: Será que estamos a ser demasiado críticos ou pessimistas? Entre 2008 e 2014 mudou alguma coisa neste domínio?!
João Frada