Saída Limpa, para quem?
Para a Troika, que “limpou”, pelo seu “magnífico” trabalho de reorganização dos nossos recursos humanos e económico-financeiros e pelas sábias lições também concedidas aos nossos políticos e, em especial, aos governantes, cerca de metade dos milhares de milhões que nos emprestou, em juros e comissões, com vista a salvar-nos da bancarrota e a reabilitar Portugal aos olhos dos credores internacionais e das agências de rating, autênticas máquinas mafiosas seguramente ao serviço do grande capital, deixando-nos, depois de toda a austeridade que nos foi e continua a ser imposta, no limiar do descrédito, praticamente no “lixo”, porque é este o nosso estatuto, enquanto país devedor, ou para os parasitas sarnentos que, gerindo-nos os desígnios, depois de tanta limpeza aplicada sobre os bolsos e a pele de milhões de portugueses nunca largaram, nem largarão tão depressa os seus hospedeiros, milhões de portugueses que continuam a servir-lhes de repasto?
A cantilena tocada a toda a hora, nestes últimos dias, de uma Saída Limpa, “porque não precisamos mais de ajuda externa”, tendo em conta uma austeridade que não vê melhoras, não deixa de ser uma manobra de demagogia barata e, seguramente, pré-eleitoral. A imagem externa pode beneficiar, mas o dia-a-dia dos portugueses não verá grandes alegrias. A carga fiscal, agora mais pesada face às últimas medidas impostas: aumento da TSU, claro está, aplicada apenas sobre trabalhadores, e pelo IVA, o tal imposto que constituía a suprema bandeira do lírico Ministro Pires de Lima… ia baixá-lo, só ainda não sabe quando…, é a prova disso. Porém, para o senhor Primeiro Ministro e todo o seu séquito governativo, a Saída Limpa constitui, podemos dizê-lo, o slogan governamental mais ouvido e aplaudido, porventura também o hino mais convincentemente utilizado em termos de mentalização política. Mas, a Saída aparente da Troika, o fim da dita ajuda externa, com visitas periódicas, supomos, não tão principescamente pagas como as que se verificaram durante este últimos três anos, apenas não passa de uma Saída para uma outra Entrada: uma continuada ação de “Limpeza” monetária à população que, qual procissão flagelatória, ainda só agora vai no adro.
As elevadas taxas de desemprego teimam em persistir; a austeridade está para durar; o poder de compra não aumentou para a grande maioria do povo, porque os seus salários, mesmo com aumentos, continuam de miséria; as falências entre 2011 e 2014 multiplicaram-se, engolindo múltiplas empresas que sobreviviam do mercado interno e não suportaram a retração do consumo e a carga fiscal, etiquetada como calibração necessária, acabou de subir através da TSU e do IVA.
Percebemos perfeitamente o que o Governo entende por Saída Limpa, tendo em conta a situação em que nos encontrávamos junto dos mercados e dos credores internacionais, mas, apesar desta saída do programa de ajuda externa, prevista para 17 de maio próximo, determinada pela favorável trajetória de redução do défice orçamental e da dívida pública, o Estado, ao contrário do que afirmou o senhor Primeiro Ministro, durante as comemorações dos 40 anos do seu Partido, não vai tão depressa deixar de complicar a vida às pessoas.
Apesar de tanta limpeza e saneamento, não se fez ainda, nem sabemos se o Governo terá algum dia coragem para a fazer, a tão esperada reforma estrutural do Estado, esta sim, que poderia cortar milhares de milhões na despesa pública, através da revisão de contratos SWAP e PPP, reduzindo ou cerceando fundos de capitalização à Banca, atribuindo com o maior rigor e transparência, ou abolindo mesmo, subvenções a tudo quanto é fundação, observatório, repartição, instituto, comissão, gabinete que pouco ou nada produzem em prol da sociedade e do país. E que fez a Troika nestes domínios? Nada ou quase nada. Supostamente, não lhe interessou tocar nos grandes poderes e negócios instalados. Pura e simplesmente, a Troika pode vangloriar-se de ter feito uma Saída Limpa, ou seja, não esteve para se sujar, mexendo nesta fossa.
Pois foi, não quis arriscar-se a mexer nos setores mais sujos, autênticos canos de esgoto por onde se têm escoado e continuam a escoar os dinheiros públicos, arriscando-se a fazer uma Saída incómoda e mal cheirosa.
Se para a Troika e para todos os grandes comedores da riqueza nacional e do erário público, gente que vive e sempre viveu, direta ou indiretamente, à conta do Estado,… e tem sido tanta…, a Saída foi e é Limpa, porque neste arrastão se limpou muito mais do que se devia dos bolsos da grande maioria dos portugueses, os mais pobres e mais vulneráveis, para estes, que trabalham e se esfolam vivos para sobreviverem, a Saída não foi nem é Limpa, mas Porca, tremendamente Porca.
João Frada