domingo, 28 de dezembro de 2014

SOBERANIA PORTUGUESA: realidade ou utopia?

Soberania Portuguesa: realidade ou utopia?
 
Segundo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), a soberania é inalienável e indivisível e deve ser exercida pela vontade geral, denominada por soberania popular, expressa, naturalmente, de forma democrática, no ato eleitoral. Não pertencendo a ninguém, em particular, nem a indivíduos nem a clãs familiares, nem a partidos políticos, o seu exercício pertence ao Estado, enquanto pessoa jurídica, e, nessa medida, a regulação do poder político que lhe é intrínseco e legitima as suas relações quer com os cidadãos quer com outros Estados processa-se através de um instrumento fundamental: a lei.
"É um poder, ou seja, uma faculdade de impor aos outros um comando a que lhes fiquem a dever obediência, perpétuo, pois não pode ser limitado no tempo, é absoluto pois, não está sujeito a condições ou encargos, postos por outrem, não recebe ordens ou instruções de ninguém e não é responsável perante nenhum outro poder." A soberania, enquanto conceito teórico, "é suprema na ordem interna, pois não admite outro poder com quem tenha de partilhar a autoridade do Estado; é independente na ordem internacional, pois o Estado não depende de nenhum poder supranacional e só se considera vinculado pelas normas de direito internacional resultantes de tratados livremente celebrados ou de costumes voluntariamente aceitos.”
Com limites em relação ao exercício da soberania, quer no plano interno quer externo, qualquer Estado é dotado de poder legislativo (fazer e revogar as leis), pode declarar a guerra e fazer a paz, instituir cargos públicos, cunhar e emitir moeda e lançar impostos.”
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Soberania)
Mas, para além destes conceitos meramente teóricos, a existência real de soberania, bem como de todos os elementos que a constituem, possibilitando-lhe uma individualidade jurídica própria e um corpo social de nação, seja ela ou não multirreligiosa, multiétnica ou multicultural, pressupõem a existência de um determinado património, demográfico, linguístico ou recursivo. Sem estas “fontes de alimentação”, o exercício da soberania, enquanto ato governativo numa democracia representativa, supostamente, ao serviço do bem-estar, da segurança e da justiça da cidadania, pode não corresponder senão a um mero exercício de ficção.
Integrados na União Europeia, cunhar moeda é coisa do passado. Tivemos de afinar pelo mesmo diapasão da Europa: o euro. Lançar e cobrar impostos, paradoxalmente, parece ser, nestas últimas décadas de descalabro económico e financeiro, a única capacidade exercida com grande zelo e proficiência pelo Estado, decorrente do direito que lhe assiste enquanto entidade soberana.            
A lei, pelos vistos, por cá, diz-nos Paula Teixeira da Cruz, Ministra da Justiça, não serve todos os cidadãos de igual modo. Os ricos dispõem de um código penal. Os pobres, de outro.(http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=2262367)
Com a Troika, a nossa soberania deixou de ser “suprema na ordem interna” e teve de admitir a interferência de “outro poder com quem” teve de “partilhar a autoridade do Estado”. O BCE (Banco Central Europeu), a CE (Comissão Europeia) e o FMI (Fundo Monetário Internacional) impuseram-nos o que quiseram e lhes apeteceu. Ah, emprestaram-nos cerca de 134 mil milhões de euros para taparmos crateras gigantescas originadas por má gestão e negociatas ruinosas (SWAP´S, PPP´S, BPN, etc.) de vários governos, arrecadando, em troca dessa concessão tão generosa, cerca de 33 mil milhões de euros. Assim estrangulados, ainda há quem acredite que a sua vivência se processa em soberania?
As leis da Ordem Jurídica Portuguesa, que regem praticamente, a todos os níveis, a nossa“ orquestra interna”, subordinam-se necessariamente às normas da Constituição Europeia. Alguns pontos nucleares desta constituição, na perspectiva do Professor Doutor Jorge Miranda, constituem provas indesmentíveis dessa realidade: 
“1º) Os tratados europeus criaram uma ordem jurídica a se [por si mesma], que envolve as ordens jurídicas dos Estados membros;
2º) As normas jurídicas comunitárias têm aplicação imediata nos Estados membros e vinculam todos os seus órgãos, sendo inadmissível a necessidade de mediação de leis internas;
3º) Eles têm efeito directo, podendo ser invocáveis enquanto tais em tribunal;
4º) A validade das normas jurídicas comunitárias não depende das ordens jurídicas nacionais, não podendo, na sua interpretação e na sua aplicação, ser tidas em conta as regras e as noções destas ordens jurídicas. (…)”
(http://www.direitodoestado.com.br/bibliotecavirtual/620/)
A dívida e o défice públicos estão para durar e não há exportações que os façam abrandar. Os credores internacionais e as agências ratings ditam internamente as leis da economia e das finanças. Sem poder económico e financeiro, será mesmo que podemos sentir-nos um país soberano? Ou devemos, antes, sentir-nos um país vassalo?
Alguns dos nossos sectores estratégicos mais importantes, com maior peso na economia nacional, como as áreas da energia, dos combustíveis, das telecomunicações e dos transportes, das pescas e da agro-pecuária (em particular, no Alentejo), estão já na mão do grande capital internacional (espanhol, angolano, chinês, árabe, brasileiro). Outros, como a TAP, para lá caminham. Um Estado que se vai desfazendo, pouco a pouco, dos alicerces fundamentais à sua identidade económica, alienando e entregando a estranhos, de mão beijada, aquilo que não consegue gerir nem rentabilizar em proveito próprio, terá o direito de se intitular soberano?
Se atendermos ao significado da palavra (excelente, insuperável, supremo), um Estado com representantes democráticos tão destituídos e incompetentes à frente da sua governação, é soberano em quê?
Um Estado soberano pode considerar-se rico pelo povo jovem, ativo, culto e inteligente de que dispõe e pela capacidade que demonstra em estimular e aproveitar as potencialidades de cada cidadão sob a sua responsabilidade política, jurídica e social. Em Portugal, a aposta na demografia, tem-se visto! Nada ou quase nada favorece a natalidade. Casais jovens, sem emprego, mal dispõem para comer e sobreviverem, quanto mais para fazerem filhos e suportarem os elevados custos da infância, em termos de alimentação, saúde e educação.
Centenas de milhares de outros jovens, cultos, com formação especializada universitária, foram aconselhados pelos nossos governantes a emigrarem ou, nem precisando de aconselhamento, pura e simplesmente, descobriram na emigração a forma mais inteligente de conseguirem emprego e uma vivência digna. Como tal, foram fazer filhos para outras bandas do globo. Portugal é, atualmente, o país europeu com a taxa mais baixa de nascimentos. Um Estado potencialmente geriátrico só pode estar condenado à extinção e não à continuidade.
Por todas as razões, o nosso património demográfico em nada pode contribuir para o engrandecimento da nossa soberania, bem pelo contrário.  
A nossa língua, património verdadeiramente multisecular, depois de um acordo ortográfico discutível, “de fato”, alinhavado com muito pouca sensatez e fortemente motivado por fitos de natureza económica (visando escoar mais facilmente a literatura portuguesa para o Brasil, um mercado de cerca de 200 milhões de habitantes), descurando a existência e sensibilidade de outras comunidades que falam e escrevem português, como são os PALOPS africanos, acabaria por ser fragmentada na sua integridade matricial, sem que tenha havido concordância absoluta entre os diversos linguistas, representantes dos vários países de expressão lusófona, em relação às alterações propostas. O acordo não passou, pois, de um pseudo-acordo e, como resultado desta iniciativa pouco ponderada, a língua portuguesa original, enquanto património íntegro e identitário da nossa soberania, não passa hoje de uma terna saudade, de uma utopia e, para alguns, de uma boa confusão escrita e falada.
Para consolo, enquanto símbolos do Património Imaterial e Cultural da Humanidade, que nos são justamente reconhecidos, temos o Cante e o Fado.
Finalmente, Portugal deve ou não ser considerado um Estado soberano?!