Soberania Portuguesa: realidade ou utopia?
Segundo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), a
soberania é inalienável e indivisível e deve ser exercida pela vontade geral,
denominada por soberania popular, expressa, naturalmente, de forma democrática,
no ato eleitoral. Não pertencendo a ninguém, em particular, nem a indivíduos
nem a clãs familiares, nem a partidos políticos, o seu exercício pertence ao
Estado, enquanto pessoa jurídica, e, nessa medida, a regulação do poder
político que lhe é intrínseco e legitima as suas relações quer com os cidadãos
quer com outros Estados processa-se através de um instrumento fundamental: a
lei.
"É um poder, ou seja, uma faculdade de impor aos
outros um comando a que lhes fiquem a dever obediência, perpétuo, pois não pode
ser limitado no tempo, é absoluto pois, não está sujeito a condições ou
encargos, postos por outrem, não recebe ordens ou instruções de ninguém e não é
responsável perante nenhum outro poder." A soberania, enquanto conceito
teórico, "é suprema na ordem interna, pois não admite outro poder com quem
tenha de partilhar a autoridade do Estado; é independente na ordem
internacional, pois o Estado não depende de nenhum poder supranacional e só se
considera vinculado pelas normas de direito internacional resultantes de
tratados livremente celebrados ou de costumes voluntariamente aceitos.”
Com limites em relação ao exercício da soberania, quer
no plano interno quer externo, qualquer Estado é dotado de poder legislativo
(fazer e revogar as leis), pode declarar a guerra e fazer a paz, instituir
cargos públicos, cunhar e emitir moeda e lançar impostos.”
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Soberania)
Mas, para além destes conceitos meramente teóricos, a
existência real de soberania, bem como de todos os elementos que a constituem, possibilitando-lhe
uma individualidade jurídica própria e um corpo social de nação, seja ela ou
não multirreligiosa, multiétnica ou multicultural, pressupõem a existência de
um determinado património, demográfico, linguístico ou recursivo. Sem estas “fontes
de alimentação”, o exercício da soberania, enquanto ato governativo numa
democracia representativa, supostamente, ao serviço do bem-estar, da segurança
e da justiça da cidadania, pode não corresponder senão a um mero exercício de
ficção.
Integrados na União Europeia, cunhar moeda é coisa do
passado. Tivemos de afinar pelo mesmo diapasão da Europa: o euro. Lançar e
cobrar impostos, paradoxalmente, parece ser, nestas últimas décadas de
descalabro económico e financeiro, a única capacidade exercida com grande zelo
e proficiência pelo Estado, decorrente do direito que lhe assiste enquanto
entidade soberana.
A lei, pelos
vistos, por cá, diz-nos Paula Teixeira da Cruz, Ministra da Justiça, não serve
todos os cidadãos de igual modo. Os ricos dispõem de um código penal. Os pobres,
de outro.(http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=2262367)
Com a
Troika, a nossa soberania
deixou de ser “suprema na ordem interna” e teve de admitir a interferência de
“outro poder com quem” teve de “partilhar a autoridade do Estado”. O BCE (Banco
Central Europeu), a CE (Comissão Europeia) e o FMI (Fundo Monetário
Internacional) impuseram-nos o que quiseram e lhes apeteceu. Ah,
emprestaram-nos cerca de 134 mil milhões de euros para taparmos crateras
gigantescas originadas por má gestão e negociatas ruinosas (SWAP´S, PPP´S, BPN,
etc.) de vários governos, arrecadando, em troca dessa concessão tão generosa,
cerca de 33 mil milhões de euros. Assim estrangulados, ainda há quem acredite
que a sua vivência se processa em soberania?
As leis da Ordem Jurídica Portuguesa, que regem praticamente,
a todos os níveis, a nossa“ orquestra interna”, subordinam-se necessariamente
às normas da Constituição Europeia. Alguns pontos nucleares desta constituição,
na perspectiva do Professor Doutor Jorge Miranda, constituem provas
indesmentíveis dessa realidade:
“1º) Os tratados europeus criaram uma ordem jurídica a se [por si mesma], que envolve as ordens jurídicas dos Estados membros;
“1º) Os tratados europeus criaram uma ordem jurídica a se [por si mesma], que envolve as ordens jurídicas dos Estados membros;
2º) As normas jurídicas comunitárias têm
aplicação imediata nos Estados membros e vinculam todos os seus órgãos, sendo
inadmissível a necessidade de mediação de leis internas;
3º) Eles têm efeito directo, podendo ser
invocáveis enquanto tais em tribunal;
4º) A validade das normas jurídicas
comunitárias não depende das ordens jurídicas nacionais, não podendo, na sua
interpretação e na sua aplicação, ser tidas em conta as regras e as noções destas
ordens jurídicas. (…)”
(http://www.direitodoestado.com.br/bibliotecavirtual/620/)
A dívida e o défice públicos estão para durar e não há
exportações que os façam abrandar. Os credores internacionais e as agências ratings ditam internamente as leis da economia
e das finanças. Sem poder económico e financeiro, será mesmo que podemos
sentir-nos um país soberano? Ou devemos, antes, sentir-nos um país vassalo?
Alguns dos nossos sectores estratégicos mais
importantes, com maior peso na economia nacional, como as áreas da energia, dos
combustíveis, das telecomunicações e dos transportes, das pescas e da agro-pecuária
(em particular, no Alentejo), estão já na mão do grande capital internacional
(espanhol, angolano, chinês, árabe, brasileiro). Outros, como a TAP, para lá
caminham. Um Estado que se vai desfazendo, pouco a pouco, dos alicerces
fundamentais à sua identidade económica, alienando e entregando a estranhos, de
mão beijada, aquilo que não consegue gerir nem rentabilizar em proveito próprio,
terá o direito de se intitular soberano?
Se atendermos ao significado da palavra (excelente,
insuperável, supremo), um Estado com representantes democráticos tão
destituídos e incompetentes à frente da sua governação, é soberano em quê?
Um Estado soberano pode considerar-se rico pelo povo
jovem, ativo, culto e inteligente de que dispõe e pela capacidade que demonstra
em estimular e aproveitar as potencialidades de cada cidadão sob a sua
responsabilidade política, jurídica e social. Em Portugal, a aposta na demografia,
tem-se visto! Nada ou quase nada favorece a natalidade. Casais jovens, sem
emprego, mal dispõem para comer e sobreviverem, quanto mais para fazerem filhos
e suportarem os elevados custos da infância, em termos de alimentação, saúde e
educação.
Centenas de milhares de outros jovens, cultos, com
formação especializada universitária, foram aconselhados pelos nossos
governantes a emigrarem ou, nem precisando de aconselhamento, pura e
simplesmente, descobriram na emigração a forma mais inteligente de conseguirem emprego
e uma vivência digna. Como tal, foram fazer filhos para outras bandas do globo.
Portugal é, atualmente, o país europeu com a taxa mais baixa de nascimentos. Um
Estado potencialmente geriátrico só pode estar condenado à extinção e não à
continuidade.
Por todas as razões, o nosso património demográfico em
nada pode contribuir para o engrandecimento da nossa soberania, bem pelo
contrário.
A nossa língua, património verdadeiramente
multisecular, depois de um acordo ortográfico discutível, “de fato”, alinhavado
com muito pouca sensatez e fortemente motivado por fitos de natureza económica
(visando escoar mais facilmente a literatura portuguesa para o Brasil, um
mercado de cerca de 200 milhões de habitantes), descurando a existência e sensibilidade
de outras comunidades que falam e escrevem português, como são os PALOPS
africanos, acabaria por ser fragmentada na sua integridade matricial, sem que
tenha havido concordância absoluta entre os diversos linguistas, representantes
dos vários países de expressão lusófona, em relação às alterações propostas. O
acordo não passou, pois, de um pseudo-acordo e, como resultado desta iniciativa
pouco ponderada, a língua portuguesa original, enquanto património íntegro e
identitário da nossa soberania, não passa hoje de uma terna saudade, de uma
utopia e, para alguns, de uma boa confusão escrita e falada.
Para consolo, enquanto símbolos do Património
Imaterial e Cultural da Humanidade, que nos são justamente reconhecidos, temos
o Cante e o Fado.
Finalmente, Portugal deve ou não ser considerado um Estado
soberano?!