POEMAS

DESALENTO 


Os meus versos são quadrados
Mas, mesmo, sendo redondos
Ecoantes e rimados,
Soariam como bombos.

Que ninguém pense o contrário
Não se trata de modéstia
Meus versos são mostruário
De um coração com moléstia

Esburacados de ideias
Vazios de sentimento
E podres de inspiração

Saídos das minhas veias
A custo, com desalento,
São versos sem cotação.


João Frada, 09.07.2014

O SONHO 

Dizem que o sonho corrói
Os elos das incertezas,
Mas também nos alivia
De frustrações e fraquezas,
Como se fora um feitiço,
Um reino de fantasia
Sem ninguém, sem conteúdo,
Que ora nos prende e separa
Que ora nos leva e nos traz
Entre beijos e abraços
Pelos céus… o sonho é tudo,
É bálsamo que não se espera
É expoente de ilusão,
De dor, de céu, de magia
De tanta falsa quimera
Que nos arrasta e nos guia
Entre as chamas da paixão
E os caminhos da utopia.

João Frada

Lisboa, 07.07.14

POESIA TRAPEIRA
Eu queria amar toda a gente que me ama,
Bem entendido, amar só por amar,
Não mais do que isso,
Porque amar sempre acaba numa cama
E termina, muitas vezes, num enguiço.
João Frada

Lisboa, 07.07.13

RUMOS
Os rumos das nossas vidas
Nem eu sei onde vão dar
Sei apenas onde passam,
Entre o meu e o teu olhar.

Vejo-te ao longe sozinha
Meu amor, à minha espera,
E eu volto como andorinha
Quando rompe a primavera

Sinto-me um homem com sorte
Quando cruzo a escuridão
Correndo às cegas, sem norte,
Atrás do teu coração

Os rumos das nossas vidas
São duas estradas desertas
Onde morrem despedidas
E nascem juras incertas

Que nos fazem meditar
E se alimentam de nós
E nos prendem sem cessar
Aos ecos da nossa voz

Os rumos das nossas vidas
Fingem ser cruzada calma
Mas carregam tantas feridas
No coração e na alma

E quando o vento assobia
Rijo e forte, a caminhada
Estremece numa agonia
E tudo parece nada

Os rumos das nossas vidas
Seguem estrelas apagadas
Que dos céus foram descidas
Por serem luzes veladas

Nesta rota sem destinos
Andamos acorrentados
Somos ambos peregrinos
Em caminhos separados

Cruzei todo o firmamento
Em sonhos, pude voar,
Dei largas ao pensamento
Em busca do teu olhar.


De tantos rumos, houve um
Que escolhi, virado ao céu
Cruzei-o sem medo algum
Quando soube que era o teu

Era um rumo de andorinha…
Quem sabe onde desagua?
Na tua alma ou na minha,
Na minha boca ou na tua ?


João Frada
Lisboa,03.07.14


AVE DE ARRIBAÇÃO
Dizes-me adeus a sorrir
Mas teu olhar entristece
Mal disfarça luto e dor.
Sempre sorrindo, a fingir,
Rogas a Deus numa prece
Traz depressa o meu amor.

Não sofras, não tenhas medo,
Que eu, tal qual um passarinho,
Sou ave de arribação,
Mas volto sempre bem cedo
À procura do caminho
Que leva ao teu coração.

João Frada, S/d.

QUERO DIZER-TE:
Uma frase simples,
que faz parte dos nossos rituais
dos ditos repetidos e diários,
que já sabes de cor, que digo acordado e a sonhar,
que tantas vezes me sufoca, presa na garganta,
quando a saudade em meu peito se agiganta
e em sonhos cruzo o tempo, o céu e o mar,
na esperança de te ver e te abraçar,
um som que marca o ritmo dos teus dias,
que te alegra incertezas e ilusões,
que festeja aniversários,
que balsamiza tristezas e agonias,
que faz pulsar e sorrir os nossos corações,
AMO-TE.

João Frada
Lisboa, 11.5.2014

UM ADEUS E UMA ESPERANÇA

Dizer em poesia um século inteiro,                          
é arte de difícil desempenho,                            
é obra de arquitecto que não sou                      
é caminho espinhoso sem roteiro                      
é fôlego de esteta que não tenho.                      
                                                                       
Que os deuses me iluminem                            
e a minha voz se erga, sibilina,
cantando nos meus versos a mensagem            
de um adeus, um hino de homenagem              
à paz entre os homens,                                    
à esperança nascida num sorriso,                      
ao mar revolto, poluído e manso,                      
às cinzas de quem jaz no meio da guerra,
a quem combate a tirania sem descanso,        
aos ideais que p'ra sempre desvendaram        
a mística, a ciência e a magia,                          
aos homens que rasgaram no seu tempo          
com as mãos horizontes de ousadia,                
às raças que se enleiam sem reservas
e, em corpo e espírito, abraçam toda a Terra.

Que as minhas forças se juntem, assestadas,
contra o infortúnio que assola os deserdados
e os mártires da guerra, soterrados,
contra os esquálidos corpos, esfomeados,
máscaras tristes sem rosto, gaseadas,
contra as subtis razões da eutanásia
e os mostrengos clonados p'la genética.

Neste Pináculo do Tempo, digo adeus,
mas os versos são difíceis de rimar,
opulência e miséria, guerra e paz,
progresso, fome e abastança,
retrocesso, cibernética e robótica.

Quando no céu se estampar a cor da esperança
e um rio de amor transbordar fraternidade,
o Mundo há-de rodar e, na mudança,
num Império de justiça e temperança,
a paz há-de rimar com liberdade.

João Frada, Olhos nos Olhos da Alma, Edições CLINFONTUR

NAQUELA MANHÃ TÃO FRIA

Naquela manhã tão fria,
junto ao cais, quando passei,
baixinho disse-te adeus.
Não esperava ver-te ali,
à distância de um aceno,
de um soluço, de um gemido

Teus olhos postos nos meus,
apenas por uns segundos.
Mas segui, continuei.
Traçara os rumos do mar.
Era esse o meu sentido,
em busca de novos mundos
p’ra me libertar de ti.

Não esperava ver-te ali
naquela manhã tão fria:
teu olhar terno e sincero
colado em mim e no céu.
A tua boca rezava
soluçando amargurada.

Enquanto o barco seguia
quis dizer-te que voltava:
mas a minha boca calada
nada disse, emudeceu.
E ali, à vista de terra
e do teu olhar carente,
navegando docemente,
senti o mar a tremer.

Algo prestes a rasgar,
algures à minha volta:
uma forte tempestade,
um tufão, uma torrente,
um lago de desespero,
uma cova feia e fera,
um abismo de saudade,
uma furna, uma cratera.

De repente abriu-se a terra.
E nessa fenda surgiu
o leito de um rio triste
que há muito tempo secara.

O mar cheio de ansiedade,
cansado dos teus gemidos,
escoou-se ali lentamente.
E a maré, que transbordava,
sumiu-se, ficou vazia.

Hoje sei que as tuas preces
e súplicas, naquele dia,
foram decerto a semente
dessas mudanças tão estranhas
que abalaram terra e mar.

Deus ouviu os teus pedidos,
um milagre acontecera:
o barco que me levava,
sem água pr’a navegar,
nunca mais dali saía…



João Frada, Olhos nos Olhos da Alma, Edições CLINFONTUR


CINCO LETRAS

Escrever-te-ia, se pudesse,
sobre uma parede inerte, carcomida,
sobre um espelho de face côncava, inestética,
sob uma tatuagem utópica e sumida,
disfarçada por um toque de cosmética,
sobre uma gota de orvalho indefinido,
em qualquer sítio onde o que escrevo fosse lido.

Escrever-te-ia, se pudesse,
ternas palavras num simples português,
que a gente lê e ouve tanta vez
e nos tocam docemente o coração.
Escrever-te-ia, se pudesse,
na lava arrefecida de um vulcão
ou num diamante puro e cristalino,
apenas cinco letras desgastadas.
Assim fosse minha pena um cinzel fino
p’ra nunca dali serem arrancadas.

Escrever-te-ia, se pudesse,
se a fé fosse o meu guia e consciência,
nos labirintos que a dúvida gerou
– quando os teus olhos dos meus se desviaram –
lançando-me num mar de inquietação,
transportando-me para lá do impalpável,
onde o tempo e o espaço se irmanaram,
algures onde tudo começou,
num refúgio da mente, inconfessável,
onde revejo as memórias da infância.

Escrever-te-ia, se pudesse,
sobre um chão de areia branca,
virgem, de uma qualquer praia tropical.
E, ali, esperaria que o céu e os deuses
iluminassem a grafia do meu punho
e as minhas ideias sombrias, vacilantes,
se tornassem reais e não um sonho,
aflorando-me dos dedos em cachão,
e ressuscitassem em mim frases ardentes,
exaltadas de afecto e de paixão,
que na garganta trago acorrentadas.

Escrever-te-ia, se pudesse,
sob um impulso nascido cá de dentro,
no fundo de uma bola de cristal,
apenas cinco letras bem gravadas,
p’ra leres o que me vai no pensamento
e pressentires o que eu sinto, tal e qual,
p’ra soletrarmos os dois ao mesmo tempo
três sílabas, apenas, de mãos dadas:
Amo-te.


João Frada, Olhos nos Olhos da Alma, Edições CLINFONTUR


DÚVIDA

Depois que o amor selou nossos olhos
Depois que um beijo uniu nossas bocas
Depois que um dia demos nossas mãos
Depois que a angústia marcou a nossa ausência
Depois que as nossas mentes se irmanaram
Depois que em tanto sonho nos amámos
Depois que os nossos corpos se encontraram
Depois que em tanto abraço sufocámos
Depois que a paz raiou no desespero
Depois que uma esperança nos sorri
Não me perguntes, Amor, quanto eu te quero
Depois que eu já não sei viver sem ti.


João Frada, Olhos nos Olhos da Alma, Edições CLINFONTUR


Eu
Sou o teu céu azul de largos traços
Sou o teu leme, teu navio e marinheiro
Sou a serpente que se enrosca nos teus braços
Sou a fome do teu corpo a tempo inteiro

Sou o fruto que colheste já maduro
Sou rio de ternura imperecível
Sou teu passado, teu presente, teu futuro
Sou o teu sonho nascido do impossível

João Frada, Olhos nos Olhos da Alma, Edições CLINFONTUR


O RUMO DAS NOSSAS VIDAS

O rumo das nossas vidas
meio excêntricas e loucas
baloiçando num vaivém
é como o vento que sopra
e não nos diz de onde vem

O rumo das nossas vidas
fez-nos partir e voltar
como qualquer passarinho
que sem destino nem rotas
poise lá onde poisar
nunca se esquece do ninho

João Frada
Lisboa, 25.02.14


CREPÚSCULO 


Quem dera que eu não visse esse crepúsculo
e a hora da partida não chegasse
e não fosse tão longe o nosso adeus
que te leva, meu amor, de volta à praia…
E tu, meu sol, eternamente pelos céus,
não mais me deixarias na penumbra…

Quem dera que o crepúsculo não chegasse
e tu me iluminasses todo o dia
e fosses meu tronco e minha sombra…
Libertava-me, de vez, desta agonia,
sem que o resto do mundo me importasse.

Quem dera, meu amor, que a tua ausência
não passe de uma onda que desmaia
ou de um barco, sem leme e marinheiro,
que não parte nem pode navegar.
Regressa, meu amor, assim ligeiro,
vem antes do crepúsculo me cegar.

Quem dera que não visse outro crepúsculo
para te ter mais tempo junto a mim.
Sonhando que sou hera, que sou flor
e tu um simples cravo ou um arbúsculo,
duas flores de mãos dadas num jardim.

João Frada

Lisboa, 02.02.14


O Instante que Passa


O instante que passa, quando o procuras gravar nos teus sentidos, já passou…
Mas ficou, fica sempre algo impercetível, coisa pouca que se aninha dentro de ti algures no peito, nas retinas dos teus olhos, nos ouvidos, na alma, até, se ela for capaz de o pressentir, de estremecer com esse instante que quase não tem rasto, de agonizar quando uma paixão veloz cruza o céu e morre como estrela cadente, no seio da tua noite, amargurada. Não mais se repete esse célere momento que passou num ápice e dele só te há de ficar uma lembrança doce ou amarga, pesada ou leve, duradoura e fugaz, mas sempre um instante. 
Os teus instantes hão de fluir, assim, junto de ti, soltos, imprevistos, excêntricos, cândidos, misteriosos, infernais, como ventos indomáveis de invernia. Não tentes desviá-los do seu rumo, não procures acorrentá-los numa clausura forçada, não lhes traces o percurso de um destino, deixa-os passar livremente por dentro de ti, procura apenas respirá-los como se eles fossem o teu fôlego vital, e cada instante assim absorvido, na tua mente e no teu espírito, constituirá a certeza de que viveste a infinitesimalidade possível de cada um deles, momentos únicos que nunca mais se virão a repetir.    


João Frada
Lisboa, 01.02.14


BREJEIRICE  “ARY-BOCAGIANA”
LIXADOS COM “F”


Com tanta taxa e imposto
há quem viva num delírio
carpindo-se sem cessar
entre suspiros e ais.

Há quem carregue no rosto
o peso deste martírio
e não se deixe abalar
gritando: “Fora o Governo
está na hora de mudar 
já nos roubaram demais!”

Um regabofe de gente
pendurada no povinho,
vivendo à grande e à francesa
bandidos de colarinho
branco ou preto, tanto faz,
trafulhas com ar decente,
todos roubam com largueza, 
saca mais quem é audaz.

Do proxeneta ao ladrão,
do corrupto ao mentiroso,
do falsário ao magarefe…
todos vão metendo a mão.
Mas se não se acautelar
esta trupe mequetrefe, 
do jeito que as coisas estão,
quando mal se precatar
será lixada com “f”.


João Frada
Mira, 31.01.14

SER LIVRE 

De quê? De quem? De que forma? Quando? No passado? Hoje? Amanhã? De mim? Dos que me rodeiam? Dos que me amam? Dos que me odeiam? Dos que me governam? 
Ninguém é livre em vida, só na morte…
Ser livre, afinal, enquanto condição absoluta, desprendido de tudo e de todos, da Natureza, da sociedade e dos homens, é pois uma utopia. Nem os pássaros, livres pelos campos, pelos céus, são verdadeiramente livres. Dependem da Natureza para se alimentarem, reproduzirem, sobreviverem. São quase livres, mas não, de todo, livres. 
Porém, invejo-os. São tudo aquilo que de mais livre existe. Quero ser como eles, quero romper com tudo o que me amarra, quero voar sobre o mar sobre a montanha, quero ser livre, escondido e esquecido do espaço e do tempo, que não são apenas meus, que tenho de repartir com gente estranha.Quero fugir dessa realidade existencial que amortalha os meus sentidos, que me não deixa escolher o meu destino. 
Quero encontrar essa mágica chave, antes que minh´alma parta deste mundo, 
E rodá-la, abrindo-me ao infinito bem profundo, como se eu fosse no céu o espírito de uma ave e voasse então, num sonho, livre, liberto de mágoas e de lutos, 
Esperando que esse voo me conforte, quero sentir-me livre por minutos, quero sentir-me livre em vida e não na morte.    

João Frada
Lisboa, 28.01.14 

PENSAMENTO

Se pensas amar alguém
Ama e não penses demais
Ama apenas o que vês
Sem mitos nem ideais
Não o que desejas ver
Pois ninguém é quem tu pensas
Nem aquilo que diz ser

“Foncucio”

ALMAS GÉMEAS

Minha alma, quando sorris
Acredita piamente
Ser gémea da tua e diz
Sorrindo, então, docemente,
Somos irmãs na vivência
Iguaizinhas no sentir
O bater do coração
O amor, o sentimento
A agonia e a paixão
O perdão e a inocência…
Tudo em nós é tão igual,
Decerto estamos ligadas
Pelo cordão umbilical.
Mas a tua, reticente,
Mais a favor da ciência,
Fundamentada no estudo,
Ouvindo-a com ar solene
Diz-lhe então, tem paciência,
Acredito nisso tudo
Mas depois do ADN.

João Frada
Lisboa, 17.01.14

TAC TAC

Tac, tac, do martelo,
entre a bigorna e a fornalha
ah, se eu pudesse cravar
sete pregos no canalha!

Ou decepar-lhe a cabeça
entre os dentes de uma serra,
podiam ter a certeza
que haveria paz na Terra

Ninguém teria saudades,
já nem vos falo do luto,
estalariam foguetes
num tremendo totoloto.

Entre cimento e tijolo
escolho seis tábuas de pinho
e procuro algum consolo
em sete copos de vinho.

Rompendo pelas madrugadas
caí doente de andaço,
trago nas mãos sete bolhas
feitas de sangue e cansaço.

De que me serve gritar
mendigando o que é devido?
Os deuses parecem estar
cegos e surdos de ouvido.

Corri serras no Marão
 e montes no Alentejo,
vi pobres estender a mão
arrastando um realejo.

Tocando as notas da morte,
cortados pelo desgosto,
buscam a côdea, sem sorte,
de manhazinha ao sol-posto.

Vi a fome nos caminhos
onde a desgraça chegou,
comendo cardos e espinhos
e pão que o diabo amassou.

Sofrendo agruras malinas
e desgaste de jumento,
já nem mesmo as vitaminas
me trazem nenhum alento.

Ninguém ouve o meu protesto
contra os desmandos a esmo,
mudam-se as moscas e o resto
continua a ser o mesmo.

Tento martelar com brio
pra vos deixar obra feita,
mas quem malha um ferro frio
tarde ou nunca o endireita.

João Frada
Olhos nos Olhos da Alma, 1.ª edição, Clinfontur edições: Lisboa, 2009, p.88, 174 p. (Coletânea de Poemas)


TAC, TAC, DO MARTELO

Tac, tac, do martelo,
Continua a bater forte,
Livra-me do pesadelo,
Poupa-me às garras da morte

Paredes de rocha dura
Não deixam passar ninguém,
Mas batendo com bravura
Racham aqui e além

Há quem não bata por falta
De jeito na profissão,
Mas aprende na revolta,
Dia a dia, a dizer Não.

Tac, tac, do martelo
Bata-se forte o engano
Com firmeza e sem desvelo
Esmague-se já o tirano.    

Tantas palavras devassas
E promessas por cumprir,
Geram ódios, ameaças
Tão difíceis de gerir.

Verga a força do algoz,
Da opressão, da escravatura,
quando o martelo da voz
bate com raiva e censura.

Tiranos do meu país
É tempo de reflexão,
O povo vive infeliz
E traz martelos na mão

Tac, tac, que o martelo
Enquanto bate vos dói,
Mas só ficais sem castelo
E nada mais vos destrói.

Tac, tac, do martelo
Tiranos tende cautela,
Que ele também é cutelo
Quando a raiva o atropela.

E não se queixem da sorte
Da falta de sensatez,
Que este martelo, sem norte,
Já perdeu a lucidez.

Tiranos feitos de gelo
Já ninguém chora ou sorri,
Ouçam bem o meu apelo,
Olhem que a morte anda aí.

Vossos atos absurdos
Levam-me a querer alertar-vos,
Mas não me ouvis, sois bem surdos,
Que conselhos hei de dar-vos?!

Tac, tac, do martelo,
Entre a bigorna e a fornalha,
Dentro do vosso castelo
Ireis arder como palha.

Tac tac, a governar
assim, perdereis o alvará,
Quando a faúlha saltar
Nada mais vos restará.

João Frada
Lisboa, 09.01.14

O TEU PERFUME 

Conheci-te meu amor
Naquela cálida tarde
Ali mesmo, a céu aberto,
Desnudada pelo calor,
Inundada por dois sóis,
Coberta apenas por tranças.
Olhando o céu e as nuvens…
À sombrinha, pensativa,
Contando sonhos, esperanças
E um campo de girassóis.
Um anjo passou e viu-te
Assim tão calma, a pensar.
E pra não ter tentações
Soprou leve, então, a brisa
Que contente e insegura,
Mais parecendo um queixume
Parou também pra te olhar.
Um manto leve de folhas
E de pétalas cobriu-te
Os ombros nus e um perfume,
Uma mágica mistura
De Natureza e mulher
Estendeu-se pelo mundo fora
Cobrindo rios e terras
Entre janeiro e dezembro.
Desde então, aquele aroma
Do teu corpo ali, tão nu,
Com cheirinho a flores de esteva,
Papoilas e girassóis,
Margaridas cor de linho
E outras tantas que não lembro,
Flores do campo como tu…
Inunda montes e serras
Como as voltas de uma dança.
Só eu sei que é teu perfume
Meu amor, minha lembrança,
Por cheirar a rosmaninho.

João Frada
Lisboa, 06.01.14



ANO NOVO 2014 

Passaram dias, já anos,
E o Mundo deu tantas voltas
Dentro de ti e de mim,
Que quase perdeu o norte
Pra rodar sem nós, sozinho.
Colheu afetos, paixões
Dias de azar e de sorte
Palavras vagas e soltas
Firmes certezas, enganos
Ilusões, horas amargas,
Horas doces, frustrações
Esperanças estreitas e largas.
Rodando tão imperfeito
Foi sinuoso o caminho
Em tantas ocasiões.
De rodar perdeu o jeito
Mas nunca perdeu o rumo
Por sentir, dentro do peito
De nós dois, tanto carinho.

João Frada
Mira, 01.01.2014


PORTAL DOS CIBERNAUTAS

Aqui nos vemos e ouvimos
Nesta janela de encantos
Que se abriu entre nós dois
Como um portal de paixão.
E enquanto os olhos se veem
No momento do adeus
E as mãos enviam acenos
Nossas bocas trocam beijos.
E eu sinto sempre, depois,
Quando chega a solidão
E as saudades me consomem
Teus lábios dentro dos meus.

João Frada

A CEIA DE NATAL

De um pirilampo fiz uma lua-cheia,
Do pecado, a esperança renascida.
Fiz um presépio com três grãos de areia
Que foi cenário e palco de uma vida.

Da minha fé fiz manto guarnecido
Com retalhos de lã cortada a sesgo
E de um madeiro tosco e carcomido
Fiz um berço de palha e musgo seco.

Ali iria romper a alvorada
Tão límpida e serena, como um sino
Anunciando ao mundo ser chegada
A hora de nascer do Deus-Menino

Marcado pela pobreza, mal chorara
Jesus bebeu no seio de Maria
Um fio de leite, apenas, que brotara
Das migalhas que a Virgem não comia

De pétalas de flor escorri sumo
Macio e leve; do pólen, a geleia;
De uma gota de chuva, espremi néctar
Que lhe dei a beber durante a ceia.

João Frada, Olhos nos Olhos da Alma, Edições CLINFONTUR

TELEFONEMA

Está lá?
Estou sim, respondes com doçura
E aguardas ansiosa o meu falar
Ligados por um fio de ternura
Os nossos corações sobressaltados
Galopam de contentes, sem parar

Ligar-te à mesma hora é quase um vício
Um ritual que tem de acontecer
Um bálsamo que alivia o suplício
Que eu sinto, meu Amor, por não te ver

João Frada, Olhos nos Olhos da Alma, Edições CLINFONTUR


RÉSTIA DE ESPERANÇA

Tentei que os nossos caminhos se cruzassem
e quantas vezes 'stendi a minha mão,
esperando de ti um gesto ou um sorriso,
desejando que os teus olhos me fitassem,
e me amparasses, amor, como um bordão,
que me servisses de guia, de farol,
enquanto o meu andar fosse indeciso
e tardasse a descobrir a luz do sol.

Vi partir andorinhas, foi-se a esperança
de ver chegar um dia a Primavera,
de sentir o teu rosto junto ao meu,
de te envolver p'la cintura numa dança,
de sermos num abraço, tu e eu,
a vida, um sonho cheio de saudade,
a magia total  de uma quimera

João Frada, Olhos nos Olhos da Alma, Edições CLINFONTUR


ESTA SAUDADE

Esta saudade profunda que me aperta
A garganta e o peito me magoa
É a força que eu ponho nos meus passos
Quando vagueio sem ti na noite incerta
E a solidão calada me atordoa

Esta saudade cravada no meu peito
De cada gesto teu, de cada beijo
É o alento que eu tenho no desânimo
No fim de cada abraço em que te estreito
Em cada despedida em que me vejo

João Frada, Olhos nos Olhos da Alma, Edições CLINFONTUR

AMO-TE

Amo-te
Nesta órbita excêntrica, impassível
À medida que vão rodando os dias
As horas, os minutos, os segundos
Na inquietação, nas loucas correrias
No encontro intemporal dos nossos mundos

Amo-te
Nas coisas simples, no gesto imperceptível
Na tarde cheia, na manhã vazia
Em momentos de paz e de amargura
Na solidão e na melancolia
Em instantes de raiva e de ternura

João Frada, Olhos, nos Olhos da Alma, Edições CLINFONTUR


OPÇÃO

Chegaste ao sol-pôr da minha idade
Guiada pela estrela da ternura
Como se eu fora praia em maré-cheia.

Remaste entre o amor e a amizade
Lutaste entre o perto e a lonjura
Ficaste ao pé das ondas e d'areia.

João Frada, Olhos nos Olhos da Alma, Edições CLINFONTUR


ESTOU CONTENTE

Estou contente

Por saber que não vivo uma ficção ou utopia.
Por me sentir um cidadão fundamental,
aqui gerado e crescido de raiz.
Por poder gritar, em Portugal,
medrado em saudade e maresia:
– Tenho a Europa a meus pés e aqui à mão.
 – Sou pobrezinho mas senhor do meu nariz.

Estou contente

Por ver a transparência dos meus príncipes,
imbuídos de altruísmo e sentimentos,
reluzentes de franqueza e honestidade,
declarando os seus parcos rendimentos
como qualquer cidadão, vulgar mortal,
pedagogo, poeta e dramaturgo.
Por constatar que também sofrem de saudade
quando regressam, de vez, à capital,
cansados da fartura de Estrasburgo.

Estou contente

Por ver que prevalece a rectidão,
entre todas as normas de conduta,
e os braços da justiça são adagas
que não concedem amnistia nem perdão
aos vermes roedores, «bichos-da-fruta»,
que nos assolam a vida como pragas.

Estou contente

Por ver no meu país desconhecido,
rasgado pelos dinheiros estruturais,
estradas e pontes sem curvas e sem bossas.
Embora haja sempre alguém desiludido,
amante das paisagens naturais,
saudoso de ver burros e carroças.

Estou contente

Por poder abrir a boca, finalmente,
gritando em liberdade, com justiça:
– Tenho um rei e um ministro geniais.

Estou contente

Por ser súbdito deste reino diferente,
talhado em vinho fino e em cortiça,
predestinado a altos ideais.

Estou contente!

João Frada, Olhos nos Olhos da Alma, Edições CLINFONTUR


AGNOSIS

Ontem desfolhei-te,
apressado, entre o possível e o impossível.
Mas não te soube ler,
crente na minha lucidez,
na minha percepção inteligente,
na lógica provável, previsível.

Perspectivei-te
entre o legível e o ilegível,
como se as tuas ideias, todas,
desaguassem num estuário aberto e navegável.
E nada pude ver.
Nem águas, nem margens, nem foz
desse rio que inunda a tua mente.

Entrei em ti.
Mas não vislumbrei nenhum dos teus sentidos.
Não franqueei
a tua dor por dentro das palavras.
Não senti
a solidão nas tuas pálpebras cerradas.
Não pressenti
o teu mundo utópico, irreal.
Não percebi
a ironia dos teus versos delicados.


João Frada, Olhos nos Olhos da Alma, Edições CLINFONTUR

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