quinta-feira, 18 de junho de 2015

DIÁLOGO SOBRE FILOSOFIA BARATA

Diálogo sobre Filosofia Barata

- O que dizer sobre o que nada contém para dizer?! – pergunto… e tu respondes:
- Há sempre qualquer coisa para dizer, ainda que seja, apenas, que nada há para dizer.
Há sempre, então, um “quase nada”, mas não um “absolutamente nada”, para dizer.
- Filosofias! És fértil até em ideias que nada contêm de ideias. E sei que nada dizes, embora apregoando que dizes realmente muita coisa. É uma forma subtil de nada dizeres, a quem te esteja a ouvir.
- Tens razão. Falando, ainda que nada digas, agradas a quem te ouvir e o teu ouvinte, pelo menos, enquanto se ocupa a decifrar o que nada existe na informação vazia que emitiste, julga ter ouvido alguma coisa e ocupa a mente, convicto de que, se nada entende ou compreende, não é porque nada disseste, mas porque não soube escolher ou aplicar o método  hermenêutico e neuronial adequado à inteligibilidade do que ouviu.  
- Há muitos que nada dizem quando dizem alguma coisa e ainda que, uma ou outra vez, possam deixar escapar algo palpável e real quando se fazem ouvir, são capazes de se desdizer no momento seguinte, não sustentando nenhuma afirmação e reduzindo a zero tudo quanto acabaram de dizer.
- É o que mais se ouve, por aí. Quem diga e desdiga tudo quanto diz. Grandes mestres na arte de nada dizer, dizendo tudo sem dizer nada. E o mais grave disto tudo, é que muitos acreditam no que ouvem e julgam ter ouvido, tomando como realidade o que não passa de ficção, não conseguindo discernir que nada do que foi dito significa verdade ou inverdade e não passa de um mero eco de coisa nenhuma.
- Não há só quem nada diga, afirmando dizer tudo, também os há que nada dizem por nada saberem dizer, mas encostam-se a quem diga por eles e passam, assim, despercebidos no meio da manada que nada diz, nada tem para dizer, nunca disse nada e, quando descobre que pode dizer alguma coisa, fica calada, em estado de total mutismo e de bovina solidariedade clânica.
- Finalmente, depois de me ouvires, dizendo tudo sem nada dizer, ainda achas que me ouviste dizer alguma coisa?!
- Oh, se ouvi! Disseste muita coisa nas entrelinhas desta conversa silenciosa.    
- Ainda bem, então, que entendeste o meu recado. Julguei ter falado, sem nada ter dito, mas, afinal, sempre sobrou alguma coisa deste diálogo, singularmente, surreal: a convicção de que se pode dizer tudo sem dizer nada. 

Moral da história:  
“Sortudos, aqueles que, mesmo calados, encontram sempre alguém que os saiba ouvir.”
    
Calendas Filosóficas, 2000
João Frada