Escrever-te-ia, se pudesse,
sobre uma parede inerte, carcomida,
sobre um espelho de face côncava, inestética,
sob uma tatuagem utópica e sumida,
disfarçada por um toque de cosmética,
sobre uma gota de orvalho indefinido,
em qualquer sítio onde o que escrevo fosse lido.
Escrever-te-ia, se pudesse,
ternas palavras num simples português,
que a gente lê e ouve tanta vez
e nos tocam docemente o coração.
Escrever-te-ia, se pudesse,
na lava arrefecida de um vulcão
ou num diamante puro e cristalino,
apenas cinco letras desgastadas.
Assim fosse minha pena um cinzel fino
p’ra nunca dali serem arrancadas.
Escrever-te-ia, se pudesse,
se a fé fosse o meu guia e consciência,
nos labirintos que a dúvida gerou
– quando os teus olhos dos meus se desviaram –
lançando-me num mar de inquietação,
transportando-me para lá do impalpável,
onde o tempo e o espaço se irmanaram,
algures onde tudo começou,
num refúgio da mente, inconfessável,
onde revejo as memórias da infância.
Escrever-te-ia, se pudesse,
sobre um chão de areia branca,
virgem, de uma qualquer praia tropical.
E, ali, esperaria que o céu e os deuses
iluminassem a grafia do meu punho
e as minhas ideias sombrias, vacilantes,
se tornassem reais e não um sonho,
aflorando-me dos dedos em cachão,
e ressuscitassem em mim frases ardentes,
exaltadas de afecto e de paixão,
que na garganta trago acorrentadas.
Escrever-te-ia, se pudesse,
sob um impulso nascido cá de dentro,
no fundo de uma bola de cristal,
apenas cinco letras bem gravadas,
p’ra leres o que me vai no pensamento
e pressentires o que eu sinto, tal e qual,
p’ra soletrarmos os dois ao mesmo tempo
três sílabas, apenas, de mãos dadas:
Amo-te.
João Frada, Olhos nos Olhos da Alma, Edições CLINFONTUR