sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Discorrências sobre as parcerias estratégicas luso-angolanas

“O Presidente angolano, [José Eduardo dos Santos], pediu à UNESCO que acompanhe o combate à pobreza, porque em Angola muitas pessoas ainda vivem mal” (Correio da Manhã, 9 de Abril de 2012). [Esta notícia foi matéria de um artigo que publicámos com o título “Discorrências” no jornal O Caravela, edição da Comunidade Luso-Brasileira do RGS-Porto Alegre-Brasil]
Hoje, em 15 de outubro de 2013, Sua Excelência, o PR de Angola, cortou, de vez, a parceria estratégica estabelecida com Portugal. Cremos que não ficará por aí, esta perrice decorrente da saga Rui Machete-Procuradoria Geral da República Portuguesa. Mais umas vingançazinhas poderão vir aí. 
Percebe-se que acabou, definitivamente, a paciência para aturar os idiotas dos “portugas” que passam a vida a levantar falsos testemunhos sobre infundadas somas de capitais que ele, a família e os mais bem-aventurados do clã, farão escorrer para a Europa e, em particular, para bancos portugueses, alguns, que apenas por acaso ou sorte, lhes vieram parar às mãos, somas essas consideradas como “branqueamentos ilícitos”. Boatos, falsidades, iniquidades, invejas ou dores de corno, como diz o povo, que é sábio, apenas para denegrir quem tem sérias preocupações com a governação e com os dramas da pobreza sentidos pelo povo angolano, como dá para ver naquele sentido pedido formulado junto da UNESCO, em abril de 2012. Um problema sério como a pobreza, a que se juntarão, como é óbvio, a miséria e a fome, não pode ser combatido em meia dúzia de meses. O trabalho de luta contra a pobreza prossegue no terreno. O empenhamento da governação angolana é um assunto sério e, como tal, há lá tempo e disposição para branquear o que quer que seja!? Só gente invejosa ousa inventar tretas e denegrir a imagem de indivíduos que não veem mais nada senão a reabilitação da pobreza no país, respondendo ao lancinante apelo do seu presidente, junto daquele organismo das Nações Unidas. 
Como é que alguém sabendo do tremendo envolvimento anímico, político e monetário do Estado angolano nesta estratégia de reabilitação social, em que todos os recursos, gente e capitais, fazem falta dentro de portas, porque está em causa a nação e, sobretudo, as “muitas pessoas que ainda vivem mal”, tem a lata de levantar calúnias como as que se ouviram em torno de gente da maior confiança do governo? Só alguns excedentes é que foram aplicados fora do país e tudo sob absoluta transparência e clareza financeira. Quem disser o contrário mente, divaga, delira, e é exatamente o que se tem passado com esta história da suspeição em torno de ilustres figuras do governo angolano. Os refinados ladrões e corruptos que, como “ouro de lei”, pululam, isso sim, dentro da administração política e judicial portuguesa, é que lançam atoardas e veem o crime, a maldade e segundas intenções em gestos e atos onde eles não existem. Estamos para ver o que irá sair da PGR. Depois, não se queixem que o défice aumenta com a quebra das exportações ou com um bom pontapé bem assestado na “bunda” dos milhares largos de “portugas” que por lá ganham a vida e, convictamente, enviam para cá gordas remessas, pelo menos, enquanto o vírus de Chipre não se estender para o mediterrâneo ocidental e, em especial, para a Península Ibérica. À fome de dinheiro que por aí anda, já faltou mais.      
Olhando para Angola, há que ter em conta o pesado fardo que é governar num país acabado de sair de uma guerra civil de 30 anos a somar a uma outra anterior de 25. Por isso, não façamos mais guerrinhas, senão corremos o risco de ninguém mais nos querer comprar os poucos haveres que ainda sobram do nosso património, fundamentais a evitar outro resgate. Enquanto houver investimentos oriundos de Angola, estamos garantidos. Não os enxotem daqui.
Ponhamos uma pedra em cima do caso Machete-PGR e deixemos os angolanos em paz. Se querem investir e têm com quê, pois sejam bem-vindos. Afinal de contas, porque é que, com tantos paraísos fiscais à nossa volta, tolerados e usados por toda a gente… até o Banco de Portugal terá fechado os olhos à colocação dos Fundos da Segurança Social, 42 milhões de euros, facto conhecido por Teixeira dos Santos, ex-ministro das Finanças, e nunca desvendou quem foi o responsável por esta negociata…, não podemos também abrir aqui neste jardim à beira mar plantado um convidativo offshore, competindo com a Suíça, com a Madeira, com Gibraltar, com Mónaco ou com as Caimão, dando hipótese a angolanos, a chineses, a indianos e a brasileiros de colocarem cá os seus baús, malas e containers cheios de “papel”?! 
Os estraga-prazeres da PGR ainda não perceberam que essa seria a melhor maneira de pagar a dívida num ápice e de deixarmos de ser, de uma vez por todas, o eterno protetorado da troika e o refém das diversas entidades financeiras internacionais.
Mais vale cortarmos com as imposições da União Económica e Monetária, que só nos têm trazido austeridade, desemprego, miséria e fome e, por mais carga fiscal e manobras que se inventem, não chegam para reduzir nem dívida, nem défice. Deveríamos, isso sim, ponderar em abrir de vez as portas ao investimento estrangeiro em regime de offshore. Não vamos lá com políticas de bom comportamento ditadas pela Alemanha, pela troika ou pelos sábios ao serviço do FMI ou dos interesses da Alta Finança Internacional.   

João Frada
Professor Universitário

DISCORRÊNCIAS

“O Presidente angolano, [José Eduardo dos Santos], pediu à UNESCO que acompanhe o combate à pobreza, porque em Angola muitas pessoas ainda vivem mal” (Correio da Manhã, 9 de Abril de 2012). 
Não nos precipitemos com críticas e comentários apressados, já que a interpretação desta notícia pode não ser tão linear quanto parece.
Procedendo a uma análise hermenêutica, isenta e rigorosa, deste “pedido presidencial” aparentemente tão polémico são várias as conclusões ou ilações possíveis.
A primeira poderá significar um acordar repentino e genuíno de Sua Excelência para a tremenda pobreza que se acumula todos os dias à sua volta, mas que se não vê porque se não quer ver, quase não se ouve porque não se expressa, porque não protesta, porque não tem voz, porque mal alimentada, passando fome, sobrevivendo “com menos de um dólar por dia” [e não inventamos nada, apenas citamos palavras de Filomeno Vieira Lopes em 2004], lhes vai faltando calorias, alento e o fôlego necessários para clamar a sua triste condição. Mas o Senhor Presidente, finalmente, num rasgo de lucidez e de solidariedade institucional dá mostras de pretender acabar com esta mazela social: a pobreza. É de aplaudir. E que faz ele, para que o Mundo saiba que está determinado a corrigir um pesadelo que lhe pesa(rá), decerto, na consciência? Pede “à UNESCO que acompanhe o combate à pobreza.” Ou seja, que observe o que a governação, em boa hora, pretende fazer. Não pede à UNESCO que combata a pobreza que flagela o seu País. Não. Angola tem recursos de sobra, ainda que tenham levado estas últimas décadas umas boas tesouradas para mega-investimentos em prol de quem entende de negócios. Não pede apoio à UNESCO, coisa nenhuma! Essa interpretação só pode ser mesmo com intuito de desprestigiar a honorabilidade de um homem que, embora tarde, decidiu combater o pior flagelo do seu país: a fome. Angola ainda não está precisada de esmolas da ONU ou seja de quem for. 
Uma segunda explicação, defendida apenas por meia dúzia de adeptos, pessimistas e mal-intencionados, consiste na possibilidade, remota, dos imensos recursos angolanos, que muitos julgam infindáveis, estarem mesmo esgotados por terem sido utilizados “à tripa forra” em aplicações fora e dentro do País, em investimentos rentáveis, sim, mas apenas para quem os investiu, sem retorno nem proveito para a grande maioria da população, essa que Sua Excelência diz que “vive mal”. E, nestas circunstâncias, só mesmo a UNESCO poderia dar uma ajudazinha para extinguir o drama da fome e da miséria a que o Senhor Presidente se refere. Contar com apoio da Europa, que está de pantanas, ou com os Chineses, que não são grandes beneméritos, é esperar em vão. Por isso só mesmo a UNESCO. Mas custa-nos a acreditar nesta possibilidade tão radical. Liminarmente, rejeitamo-la. Esta teoria não passa de uma pura especulação utópico-filosófica. O petróleo, o ouro e os diamantes, para não falar noutros recursos, ainda não estão nas lonas. Garantem, seguramente, a todos os diretamente interessados mais uns aninhos de grandes benesses, investimentos e bons lucros. 
Uma terceira hipótese, esta mais plausível, passa pela possibilidade de Sua Excelência pretender ganhar, com toda a transparência, certeza e isenção, as próximas presidenciais. A memória do povo, cá, lá e pelo caminho, é curta e, perante o drama da fome e da pobreza, qualquer dádiva à boca das urnas é balsâmica e apaziguadora. Numa atitude magnânima de governação minimiza-se a fome, ainda que se não possa eliminá-la, combate-se a pobreza, ainda que ela nunca acabe, e a UNESCO poderá testemunhar a grande dimensão de tal estratégia humanitária, ainda que este gesto não passe de um rasgo ornamental de engenharia pragmático-política. 
Uma quarta e última hipótese, só um sonhador ou poeta ousaria concebê-la. Mas que o sonho e a poesia comandam o Mundo, ninguém tem dúvidas.
“Muitas pessoas vivem mal”, diz o seu presidente. Vivem mergulhadas na miséria, na pobreza e na fome. Há pois que lhes dar melhores condições de vida. Há que convidar a UNESCO a presenciar ali, em solo Angolano, o que um governo pode fazer pelos seus cidadãos. É fundamental que o Mundo assista à maior revolução de sempre, pensada e dirigida por um presidente na África Negra. A Comunidade Internacional só acreditará se a ONU, através de um dos seus organismos mais representativos, como é o caso da UNESCO, puder presenciar e testemunhar de perto o maior feito da História Angolana. Eis o cenário, utópico, mas possível:
As maiores cidades Angolanas e, em particular, Luanda, têm sentido estes últimos anos uma profunda transformação arquitetónica e urbanística através da construção de milhares e milhares de residências, condomínios e blocos de apartamentos que conferem a estas urbes e a quem ali vier a residir condições de grande conforto e dignidade. Será que Sua Excelência e os excelentíssimos governantes sob a sua alçada presidencial, em total sigilo, imunes e indiferentes às críticas internas e externas centradas sobre a sua nobre missão governativa não projetam, desde o início, criar um novo conceito de habitações sociais, bem diferente do que assistiu e assiste ao modelo de realojamento ocidental, distribuindo definitivamente casas em massa a quem precisa, a quem “vive tão mal”?! Será que em troca das cabanas imundas que perlavam os bairros de lata dos musseques, arrasadas aos milhares nestes últimos tempos, esta gente desalojada não vai finalmente receber a casa de renda social que nunca teve? O período pré-eleitoral o confirmará. E a UNESCO o testemunhará. E que já era tempo de Sua Excelência distribuir alguma coisa por aqueles que “vivem mal” e nada têm, era. 
Há que sermos razoáveis e darmos o benefício da dúvida a Sua Excelência. Para aqueles que pensam e dizem que o Chefe de Estado Angolano não se apercebe, nem se compadece da real situação em que vive a grande maioria da população, gostaríamos de lhes lembrar que a sua preocupação está bem patente nas citadas afirmações dirigidas à UNESCO.    

Artigo publicado in Jornal O Caravela POA (RGS)
João Frada
Professor Universitário

Medicina Pública ou Privada?

Teoricamente, optar-se apenas por uma única modalidade, a pública, bem dotada e à qual todos, sem isenção ou diferenças de tratamento, tivessem acesso, até faria todo o sentido. Por outro lado, os médicos que se forma(ra)m em universidades públicas deveriam tratar os cidadãos cujo esforço tributário contribuiu também para a sua formação com toda a cortesia e não com indiferença ou quaisquer laivos de xenofobia social, económica ou académica. Profissionais mal formados, no sentido pejorativo do termo, em qualquer área ou setor, sempre os houve e seguramente continuará a haver. Uma árvore, porém, não faz a floresta inteira. Quanto ao acesso a tudo quanto uma medicina de excelência pode oferecer, em todas as suas vertentes de atual oferta médico-cirúrgica, isso, também numa verdadeira sociedade democrática onde se pratique a equidade na redistribuição de riqueza, no acesso ao emprego, na justiça, na educação e, sobretudo, na saúde, deveria acontecer. Mas nem as sociedades são democráticas, no sentido pleno do termo, nem o dito acesso é igual para todos. A medicina e a saúde que ela pode propiciar, a par de uma boa qualidade de vida higiénica e alimentar, lamentavelmente e por múltiplas razões não acessíveis a toda a cidadania, podem e devem ser encaradas como bens de natureza pública e, como tal, deverão ser facultadas a qualquer cidadão, seja qual for a sua condição económica ou social. Deste modo, enquanto houver ricos e pobres, abastados e remediados, classes altamente privilegiadas e deserdados da sorte, castas alta e baixas, realidade tão comum na maior parte dos países, a medicina há de ser sempre diferente para uns e para outros. Só numa sociedade democrática utópica é que a saúde e a medicina poderiam ser iguais para todos, em termos de acesso a recursos humanos, técnicos e tecnológicos de natureza diagnóstica ou terapêutica, independentemente da raça, da condição social e económica ou do estatuto académico. Porém, onde existe tal sociedade? Quando muito, os praticantes da medicina pública, querendo aperfeiçoar-se e otimizar recursos, poderão exercer uma arte mais hipocrática, mais racional e humanista, disponibilizando a todos os seus utentes os melhores meios ao seu alcance. 
Temos mesmo que conviver com a medicina pública e com a medicina privada. O dinheiro, quer queiramos quer não, traça grandes diferenças em termos de oferta e de procura. Os Estados e os seus gestores não vivem de utopias nem as alimentam.

João Frada
Professor Universitário
Lisboa, 06.09.13