“O Presidente angolano, [José Eduardo dos Santos], pediu à UNESCO que acompanhe o combate à pobreza, porque em Angola muitas pessoas ainda vivem mal” (Correio da Manhã, 9 de Abril de 2012).
Não nos precipitemos com críticas e comentários apressados, já que a interpretação desta notícia pode não ser tão linear quanto parece.
Procedendo a uma análise hermenêutica, isenta e rigorosa, deste “pedido presidencial” aparentemente tão polémico são várias as conclusões ou ilações possíveis.
A primeira poderá significar um acordar repentino e genuíno de Sua Excelência para a tremenda pobreza que se acumula todos os dias à sua volta, mas que se não vê porque se não quer ver, quase não se ouve porque não se expressa, porque não protesta, porque não tem voz, porque mal alimentada, passando fome, sobrevivendo “com menos de um dólar por dia” [e não inventamos nada, apenas citamos palavras de Filomeno Vieira Lopes em 2004], lhes vai faltando calorias, alento e o fôlego necessários para clamar a sua triste condição. Mas o Senhor Presidente, finalmente, num rasgo de lucidez e de solidariedade institucional dá mostras de pretender acabar com esta mazela social: a pobreza. É de aplaudir. E que faz ele, para que o Mundo saiba que está determinado a corrigir um pesadelo que lhe pesa(rá), decerto, na consciência? Pede “à UNESCO que acompanhe o combate à pobreza.” Ou seja, que observe o que a governação, em boa hora, pretende fazer. Não pede à UNESCO que combata a pobreza que flagela o seu País. Não. Angola tem recursos de sobra, ainda que tenham levado estas últimas décadas umas boas tesouradas para mega-investimentos em prol de quem entende de negócios. Não pede apoio à UNESCO, coisa nenhuma! Essa interpretação só pode ser mesmo com intuito de desprestigiar a honorabilidade de um homem que, embora tarde, decidiu combater o pior flagelo do seu país: a fome. Angola ainda não está precisada de esmolas da ONU ou seja de quem for.
Uma segunda explicação, defendida apenas por meia dúzia de adeptos, pessimistas e mal-intencionados, consiste na possibilidade, remota, dos imensos recursos angolanos, que muitos julgam infindáveis, estarem mesmo esgotados por terem sido utilizados “à tripa forra” em aplicações fora e dentro do País, em investimentos rentáveis, sim, mas apenas para quem os investiu, sem retorno nem proveito para a grande maioria da população, essa que Sua Excelência diz que “vive mal”. E, nestas circunstâncias, só mesmo a UNESCO poderia dar uma ajudazinha para extinguir o drama da fome e da miséria a que o Senhor Presidente se refere. Contar com apoio da Europa, que está de pantanas, ou com os Chineses, que não são grandes beneméritos, é esperar em vão. Por isso só mesmo a UNESCO. Mas custa-nos a acreditar nesta possibilidade tão radical. Liminarmente, rejeitamo-la. Esta teoria não passa de uma pura especulação utópico-filosófica. O petróleo, o ouro e os diamantes, para não falar noutros recursos, ainda não estão nas lonas. Garantem, seguramente, a todos os diretamente interessados mais uns aninhos de grandes benesses, investimentos e bons lucros.
Uma terceira hipótese, esta mais plausível, passa pela possibilidade de Sua Excelência pretender ganhar, com toda a transparência, certeza e isenção, as próximas presidenciais. A memória do povo, cá, lá e pelo caminho, é curta e, perante o drama da fome e da pobreza, qualquer dádiva à boca das urnas é balsâmica e apaziguadora. Numa atitude magnânima de governação minimiza-se a fome, ainda que se não possa eliminá-la, combate-se a pobreza, ainda que ela nunca acabe, e a UNESCO poderá testemunhar a grande dimensão de tal estratégia humanitária, ainda que este gesto não passe de um rasgo ornamental de engenharia pragmático-política.
Uma quarta e última hipótese, só um sonhador ou poeta ousaria concebê-la. Mas que o sonho e a poesia comandam o Mundo, ninguém tem dúvidas.
“Muitas pessoas vivem mal”, diz o seu presidente. Vivem mergulhadas na miséria, na pobreza e na fome. Há pois que lhes dar melhores condições de vida. Há que convidar a UNESCO a presenciar ali, em solo Angolano, o que um governo pode fazer pelos seus cidadãos. É fundamental que o Mundo assista à maior revolução de sempre, pensada e dirigida por um presidente na África Negra. A Comunidade Internacional só acreditará se a ONU, através de um dos seus organismos mais representativos, como é o caso da UNESCO, puder presenciar e testemunhar de perto o maior feito da História Angolana. Eis o cenário, utópico, mas possível:
As maiores cidades Angolanas e, em particular, Luanda, têm sentido estes últimos anos uma profunda transformação arquitetónica e urbanística através da construção de milhares e milhares de residências, condomínios e blocos de apartamentos que conferem a estas urbes e a quem ali vier a residir condições de grande conforto e dignidade. Será que Sua Excelência e os excelentíssimos governantes sob a sua alçada presidencial, em total sigilo, imunes e indiferentes às críticas internas e externas centradas sobre a sua nobre missão governativa não projetam, desde o início, criar um novo conceito de habitações sociais, bem diferente do que assistiu e assiste ao modelo de realojamento ocidental, distribuindo definitivamente casas em massa a quem precisa, a quem “vive tão mal”?! Será que em troca das cabanas imundas que perlavam os bairros de lata dos musseques, arrasadas aos milhares nestes últimos tempos, esta gente desalojada não vai finalmente receber a casa de renda social que nunca teve? O período pré-eleitoral o confirmará. E a UNESCO o testemunhará. E que já era tempo de Sua Excelência distribuir alguma coisa por aqueles que “vivem mal” e nada têm, era.
Há que sermos razoáveis e darmos o benefício da dúvida a Sua Excelência. Para aqueles que pensam e dizem que o Chefe de Estado Angolano não se apercebe, nem se compadece da real situação em que vive a grande maioria da população, gostaríamos de lhes lembrar que a sua preocupação está bem patente nas citadas afirmações dirigidas à UNESCO.
Artigo publicado in Jornal O Caravela POA (RGS)
João Frada
Professor Universitário
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