Naquela manhã tão fria, Algo prestes a rasgar,
junto ao cais, quando passei, algures à minha volta
baixinho disse-te adeus. uma forte tempestade,
Não esperava ver-te ali, um tufão, uma torrente
à distância de um aceno, um lago de desespero
de um soluço, de um gemido uma cova feia e fera,
um abismo de saudade,
Teus olhos postos nos meus, uma furna, uma cratera.
apenas por uns segundos.
Mas segui, continuei. De repente abriu-se a terra.
Traçara os rumos do mar. e nessa fenda surgiu
Era esse o meu sentido, o leito de um rio triste
em busca de novos mundos que há muito tempo secara.
p’ra me libertar de ti.
Não esperava ver-te ali O mar cheio de ansiedade,
naquela manhã tão fria: cansado dos teus gemidos,
teu olhar terno e sincero escoou-se ali lentamente.
colado em mim e no céu. E a maré, que transbordava,
A tua boca rezava sumiu-se, ficou vazia.
soluçando amargurada.
Enquanto o barco seguia Hoje sei que as tuas preces
quis dizer-te que voltava: e súplicas, naquele dia,
mas a minha boca calada foram decerto a semente
nada disse, emudeceu. dessas mudanças tão estranhas
E ali, à vista de terra que abalaram terra e mar.
e do teu olhar carente,
navegando docemente, Deus ouviu os teus pedidos,
senti o mar a tremer. um milagre acontecera:
o barco que me levava,
sem água p'ra navegar,
nunca mais dali saía...
João Frada, Olhos nos Olhos da Alma, Edições CLINFONTUR