“Penso, logo existo”, afirmou o filósofo René Descartes.
Nesta ótica filosófica, a possibilidade de pensar, para qualquer cidadão, define-lhe e garante-lhe a existência. Todavia, não pensar também não lha nega nem lha anula. O ato cerebral de pensar, em si mesmo, como dom humano, só é possível quando alguém existe fisicamente. Se reconhecermos, porém, que pode não haver pensamento, enquanto realidade neuropsicofisiológica, pura e simples, mas há a consciência de que não se pensa ou não se quer pensar sobre qualquer coisa, apenas pela negação de sujeitar a mente a qualquer tipo de raciocínio ou exercício de reflexão ou análise, ou não se detém, em última instância, tal capacidade, concluiremos, de igual modo, que até aquele que não pensa existe.
Pensar ou não pensar decorre da prerrogativa existencial e pessoal que designaríamos de livre arbítrio. Mas, em determinados estados de consciência, de êxtase e meditação transcendental levada ao extremo ou de impossibilidade total de cerebração, por degeneração neuronial acentuada, por exemplo, em patologias senis ou demenciais profundas, o ato de pensar pode ficar simplesmente suspenso, desativado ou definitivamente extinto. E, nestas circunstâncias, porque não se pensa, não se existe? Ou, aqui, o indivíduo deixa de ter, apenas, temporária ou perenemente, a consciência da sua própria existência?
A tese cartesiana do “Penso, logo existo”, quanto a nós não pode nem deve ser tomada como uma verdade absoluta. A sua antítese, “Não penso, logo não existo”, também não.
Resta-nos acrescentar que, tal como os seres humanos, também alguns animais parecem ter formas de consciência elementares, consideradas manifestações decorrentes da inteligência animal que a ciência etobiológica lhes reconhece. Entre os antropoides, por exemplo, há macacos que não só manufaturam instrumentos rudimentares que utilizam e reutilizam nas suas atividades vivenciais diárias, em particular, na captura de alimentos, como revelam sinais indesmentíveis de uma capacidade de reflexão que se situa bem para além dos meros instintos de sobrevivência comuns a todas as espécies de animais, incluindo seres humanos. Poder-se-ão considerar estas manifestações esboços de uma consciência reflexiva, também assente numa certeza protocultural adquirida e comprovada através da relação causa-efeito? Parece que sim. Estes animais conhecem e exploram bem tal relação. Todavia, não terão consciência da sua existência nem enquanto símios nem enquanto seres vivos. Então, numa análise subliminar e quase paradoxal, senão mesmo aberrante para alguns analistas deste paradigma, muitos seres humanos, patologicamente desprovidos da sua capacidade de cerebração, apenas conservando ativos os instintos, porque não pensam, nem têm consciência de si próprios nem de que estão vivos, não existem. Filosoficamente, não detêm essa capacidade de introspeção. Não discorrerão sobre o seu ego ou sobre a sua identidade anímica, física e pensante. Mas existem.
“Penso, logo existo”, não passa, pois, de uma verdade muito subjetiva e relativa.
Analisada na sua enorme abrangência mensagística, esta frase leva-nos muito para além da existência e da consciência que o pensamento, enquanto ato cerebral, pode ou não permitir.
João Frada