A criança é fruto da genética, do ambiente social e cultural.
Nem sempre, porém, os modelos e sistemas reguladores da educação e do comportamento estão suficientemente adaptados à realidade. Definem-se e estabelecem-se programas educativos que, numa perspetiva sociológica, psicológica e cognitiva, são considerados com a resposta metodológica mais eficaz à transmissão de conhecimentos, à formação do saber e da consciência fundamental e imprescindível para o desenvolvimento das capacidades de adquirir capacidades ou, como diria Vítor da Fonseca, a “aprender a aprender”. As diversas estratégias escolares, de natureza formativa e educacional, visam preparar os jovens para as suas futuras apostas sociais, familiares, emocionais e profissionais e, nessa medida, pretendem ser os instrumentos essenciais para esse êxito multidireccionado, ao longo das suas vidas. A Escola e o Professor, os Programas e as Estratégias de ensino, hoje mais do que nunca, globalmente, enquanto agentes atuantes de formação, não visam indivíduos, mas o grupo, não obstante a atenção específica dispensada a alguns deles, mais carentes de uma aprendizagem mediatizada e, por vezes, personalizada. Esta situação é comummente considerada quando a Escola se confronta com jovens com carências de determinadas “capacidades cognitivas para a resolução de problemas” [1].
Mas, apesar das sucessivas experiências e dos múltiplos contributos teóricos no campo da pedagogia e da pedo-psicologia educacional, constatamos, no terreno prático do ensino, que há sempre uma percentagem enorme de insucesso escolar. As razões, umas, talvez não muito difíceis de descortinar à luz das ciências biomédicas, explicativas da grande diversidade de comportamentos, bem como das grandes diferenças observadas em relação à procura do saber, ao grau de curiosidade, ao nível de labilidade da atenção, ao coeficiente de inteligência, à maior ou menor apetência cognitiva, à capacidade de memória exercitada, outras, de índole socioeconómica e política, no seu conjunto, acabam, sempre, por favorecer assimetrias de formação que muitas vezes não são possíveis de corrigir pelo docente ou pela Escola e se traduzem, mais tarde, na vida adulta, em disfuncionalidades cognitivas pouco identificadas com o sucesso pessoal, académico e profissional.
Há estudos recentes de neurofisiologia de sono que parecem apontar para a noção de que a criança, à medida que se aproxima da puberdade, “experimentando”, naturalmente, as profundas alterações biopsicológicas e, em particular, neuro-hormonais que marcam o seu desenvolvimento, parece sofrer uma espécie de atraso no “seu relógio biológico, ou seja, passa a dormir mais tarde e a acordar também mais tarde”. [2] Isto leva a que muitos jovens, de idade escolar, revelem, durante a primeira fase de aulas, ou seja, pela manhã, grande dificuldade de concentração e de aprendizagem, sobretudo, quando confrontados com “matérias mais complicadas” [3]. Os agentes e mecanismos neuro-hormonais responsáveis pelo estado de vigília, em alguns indivíduos, apenas entre o meio e o final da manhã garantem um estado de atenção e de lucidez cerebral e cognitiva suficientes para o processo de aprendizagem participativa e interativa.
Há contudo a noção, entre outros autores (A. Gomes, J. Tavares e M. Azevedo), de que se podem classificar os indivíduos, neste caso as crianças, de uma forma geral, em dois grupos distintos: os matutinos, madrugadores ou cotovias e os verpertinos, noctívagos ou mochos [4]. Para estes investigadores, “a maioria da população encontra-se numa posição intermédia”. Os primeiros, “cotovias”, com ritmos biológicos responsáveis por um estado de vigília matinal, são claramente mais adaptados à primeira fase do dia; os últimos, “mochos”, com um ciclo de vigília-sono bem diferente, sofrendo de grande sonolência durante a manhã, manifestam frequentemente graus de interesse e de atenção diminutos que podem ameaçar inexoravelmente o seu desempenho escolar. Por outro lado, o processamento de informações cerebrais e cognitivas, bem como a consolidação de memórias e aprendizagens, parecem depender do número de horas de sono, do seu horário e da regularidade em que ele se estabelece.
“Quanto à quantidade de sono necessária para se funcionar adequadamente, sabe-se que a privação de sono afeta, entre outras funções cognitivas (…) o pensamento divergente e flexível, a capacidade para lidar com a surpresa e a novidade, a fluência verbal, a emissão de respostas inovadoras” e a capacidade de emitir respostas simples e rotineiras (Horne, 2000) [5].
Com horários de estudo e de trabalho que se prolongam muito para além do período de presença na Escola, na qual permaneceram 8 ou 9 horas seguidas, muitos jovens e crianças têm que ultimar ou preparar em casa, lições, trabalhos académicos e tarefas que, de um ou de outro modo, acabam por interferir nas normais horas de descanso noturno, gerando alguma privação e irregularidade no ciclo de vigília-sono.
Por outro lado, por razões socioeconómicas e culturais nem sempre as mais recomendáveis, as sociedades e a maior parte dos jovens, arrastados muitas vezes pelo exemplo dos seus familiares, alheios, ignorantes ou demitentes na/da sua condição de educadores, tutores ou disciplinadores, tendem cada vez mais a identificar-se, em termos de horários tardios de atividade e de vigília, com o último grupo, dos “mochos”. Para este grupo, o sono assume uma importância secundária e processa-se com uma irregularidade, quantidade e qualidade de consequências pouco reparadoras, face às enormes motivações e solicitações dos meios audiovisuais, entre eles a TV e a Internet. Interrompido, precocemente, pelas 6 ou 7 horas da manhã, o período de sono essencial ao equilíbrio e rendimento físico, mental e psicológico destes indivíduos, crianças e jovens, não é minimamente compatível com o horário de escolaridade a que muitas vezes estão sujeitos.
Dos estudos e revisões efetuados pelos investigadores cujas fontes constituíram a base da nossa reflexão, pode-se concluir “com horários de sono tardios apresentaram piores resultados escolares(…)”. Os alunos mais vespertinos, que adotam horários de sono-vigília mais tardios [6], por razões plausíveis, positivas ou não, podem ter pior desempenho escolar, apenas porque os horários escolares não são ajustados aos seus padrões biológicos de sono-vigília.
Esta é uma questão importante a ponderar, se algum dia os responsáveis pelas políticas de educação pretenderem compreender e corrigir o insucesso escolar verificado entre os jovens portugueses. As causas deste problema não se situam seguramente no ensino secundário, mas enraízam-se no próprio ensino básico ou mesmo pré-escolar. Hábitos saudáveis, criam mentes saudáveis.
Seria interessante estabelecer inquéritos ou questionários sobre hábitos de sono ou de vigília e poder relacioná-los com comportamentos e aproveitamentos escolares. Talvez pudesse vir a ser uma achega importante para a compreensão e correção deste problema que, aparentemente, gerado na infância, se vai agudizando na adolescência, conduzindo a níveis de insucesso escolar consideráveis. Em Portugal, segundo recentes estatísticas, cerca de 50 a 60 mil jovens não passam do 9.º ano de escolaridade.
Criar grupos de alunos, de acordo com a sua natureza biopsicofisiológica e enquadrá-los em horários mais ajustados aos seus biorritmos, poderia ser, futuramente, entre outras medidas, uma das chaves para a diminuição do insucesso académico e profissional.
Bibliografia
FONSECA, Vítor da, Aprender a Aprender: a educabilidade cognitiva, 2.ª edição, Lisboa, Âncora Editora, 2007
GOMES, Ana A., TAVARES, José, AZEVEDO, Maria Helena, Padrões de sono-Vigília e (In)sucesso Académico no Ensino Superior, 13 p.(http://www.ualg.pt/OPQE/fases/2/comunicacoes/allengomes-tavares.htm)
MELLO, Luciana, Os Ritmos Biológicos e os Horários Escolares (http:www.crono.icb.usp.br/horariosescolares.htm)
S.a., Estudar pela manhã pode prejudicar rendimento escolar (http://www.ccs.usp.br/espacoaberto/marco99/noticias.html)
João Frada
Professor Universitário
Li com atenção as opiniões e reflexões apresentadas. Gostei do que li.
ResponderEliminarHá poucos minutos verifiquei que estavam no chat do facebook perto de dez alunos meus. Alguns com dificuldades de aprendizagem. Amanhã, os "mochos" irão manifestar sonolência e a sua aptidão para aprender fica comprometida.
Os hábitos saudáveis de sono, que os alunos deveriam ter, têm sido são descurados pelos seus encarregados de educação. Nas épocas de avaliação, serão esses que questionarão os resultados escolares dos seus educandos. No entanto, durante a noite os seus educandos passam horas em frente ao computador.
Além disto, há ainda o elevado número de alunos na mesma turma, o que prejudica o sucesso educativo individual.
Há ainda outro problema ... os alunos ensonados deixam de tomar o pequeno almoço ... é durante o período da manhã que surgem as queixas de dor de cabeça, dor de barriga, má disposição, e ainda, irritabilidade. Ao intervalo do meio da manhã, algumas bolachas e um sumo de pacote acalmam o estômago e o cérebro. Mas não é o suficiente. Nos dias de hoje é raro ver um adolescente, nos intervalos, com uma sandes de pão.
O insucesso escolar começa em casa ... com a negligência de uma parte dos encarregados de educação.