Dizia Poiares Maduro, no Fundão, em 9 de Junho de 2013, a propósito da (re)candidatura de Passos Coelho, a Primeiro Ministro (PM), nas próximas legislativas de 2015:
"Acho isso absolutamente natural, tenho confiança que será o caso", referiu.
O governante acredita que até final da legislatura os portugueses "vão compreender que os sacrifícios que tiveram de ter nestes últimos dois anos foram justificados para criar as bases sólidas de um crescimento económico e de uma economia portuguesa que seja muito mais sustentada".
Para Poiares Maduro, "um primeiro-ministro deve esperar submeter-se a eleições, deve ansiar por isso, pelo voto dos portugueses".
"Acho que isso corresponde à própria esperança do primeiro-ministro em que todos os portugueses vão reconhecer o trabalho que está a ser feito", acrescentou. (…)
"Eu não sei qual o meu futuro político para além desta legislatura, mas não terei dúvida em apoiar o primeiro-ministro Passos Coelho independentemente do meu futuro na política”.
Revendo estas afirmações, não resistimos a proceder a uma reflexão minuciosa sobre o que lemos.
Poiares Maduro, independentemente do currículo que todos lhe reconhecem e da boa vontade clânico-analítica de que enferma, como seria de esperar, e que faz questão de transmitir quando fala do “reconhecimento de todos os portugueses” em relação ao trabalho do senhor PM, será que tem mesmo a certeza do que diz? Será que os portugueses, exaustos e espoliados pela crise e pela austeridade, sem emprego, sem casa, sem comida, vão achar “natural” a recandidatura do PM? A herança política herdada de Sócrates foi um desastre, mas a herança que Passos Coelho está disposto a deixar aos portugueses não é melhor.
Poiares Maduro, inteligente como dizem e parece ser, deve andar noutra galáxia, uma vez que dá mostras de não se aperceber do estado caótico a que chegou a vida da maioria dos portugueses, esses todos de que fala, como presentes e futuros apoiantes incondicionais do PM. Desemprego, que não para de aumentar, fome, miséria, instabilidade social em crescendo, revolta… por enquanto apenas traduzida em apupos, vaias, assobios, manifestações, greves e cartazes…, será isto que irá contribuir “amanhã” para o dito “reconhecimento” por parte de todos os portugueses, expresso no voto das eleições legislativas de 2015?! Duvidamos, mas respeitamos a visão lírica de quem quer que seja, tão crente como Poiares Maduro acerca do real status quo do país e da afetividade política dos portugueses, enquanto potenciais eleitores e votantes na recandidatura de Passos Coelho. De resto, em quase todo o lado por onde o PM tem passado, é notório esse ambiente de simpatia e benquerença! O séquito de seguranças que o rodeiam é a prova disso mesmo: todos os portugueses, e ele próprio, “vivem com grande ansiedade” a passagem da sua comitiva e a sua visita ou presença pessoal em todo o lado!
Passos Coelho teria, seguramente, hipóteses de vencer por larga maioria as próximas eleições, é certo, se a sua tão determinada ação política de “corte nas gorduras, mordomias, regalias e demais irregularidades” tivesse começado por cima e não por baixo, se o seu lema fosse a equidade e não a desigualdade, se a sua coragem o levasse a afrontar poderes, privilégios e interesses instalados na sociedade, na economia, na banca, na administração pública e no próprio parlamento. Aí, sim, a sua continuidade como PM estaria garantida. Porém, opta por massacrar aqueles que nunca lhe deram ou darão votos e não poupa aqueles de quem poderia esperar alguns. E fá-lo com toda a “naturalidade”.
Parece que a “naturalidade” é mesmo a sua marca. E, de tal ordem, que assistimos a episódios cómicos e politicamente maculosos da sua figura (do PM), ainda que ele não dê por isso, como a defesa e apoio “até à última” do ministro Relvas, o tal do canudo com equivalências; depois ficámos perplexos com a história da Tecnoforma, empresa da área da formação profissional, da qual Passos Coelho foi consultor e administrador, e que agora está sob investigação do Gabinete de Luta Anti-fraude da União Europeia (OLAF), na sequência da queixa apresentada pela deputada Ana Gomes. Esta empresa (Tecnoforma),tal como o Centro Português para a Cooperação (ONG), também fundado por Passos Coelho e do qual Miguel Relvas também foi secretário, dirigidos pelo próprio Pedro Passos Coelho, receberam ambos fundos europeus e, por isso mesmo, “todos os portugueses”, incluindo Ana Gomes, quererão saber se houve ou não manipulação desses fundos para benefício de projetos privados, desprovidos ou defraudantes do interesse público”. Assinale-se que só a Tecnoforma terá, alegadamente, obtido “entre 2002 e 2004 cerca de 76% do total dos financiamentos europeus atribuídos na região centro à totalidade das empresas privadas que concorreram à realização de ações de formação para funcionários das autarquias locais no quadro do programa Foral. Nesse período, a tutela desse programa cabia a Miguel Relvas, então secretário de Estado da Administração Local no Governo de Durão Barroso.”
“O gestor do programa na região centro e os principais quadros técnicos da Tecnoforma tinham sido correligionários de Pedro Passos Coelho e de Miguel Relvas na direção da Juventude Social-Democrata. Um dos projetos mais caros aprovados no quadro do Foral em todo o país foi então apresentado pela Tecnoforma na região centro e contemplava 1063 formandos que deveriam tornar-se técnicos de aeródromos e heliportos municipais.(…)
O total do financiamento aprovado, com Miguel Relvas a patrocinar diretamente o projeto, ultrapassava 1,2 milhões de euros. Na região centro existiam à época nove aeródromos municipais, mas só três tinham atividade, ainda que residual, e uma dezena de trabalhadores. No final, a Tecnoforma recebeu apenas um quarto do subsídio aprovado, mas nenhum dos inscritos conseguiu ver a sua formação certificada.”
A par do OLAF, há vários meses que decorrem dois inquéritos na Justiça portuguesa relativos às suspeitas de irregularidades nos financiamentos atribuídos à Tecnoforma e ao Centro Português para a Cooperação. Um deles no Departamento de Investigação e Ação Penal de Coimbra e o outro no Departamento Central de Investigação e Ação Pena, em Lisboa. Neste último, a arquiteta Helena Roseta, ex-presidente da Ordem dos Arquitetos e atual vereadora da Câmara de Lisboa, foi ouvida em Janeiro de 2013. Depois disso, não mais se ouviu falar em tal assunto. Foi arquivado? Extraviou-se o processo, desapareceu a documentação fundamental para o esclarecimento da “coisa”, como aconteceu com a respeitante à compra dos submarinos? Não sabemos. Será que alguém acredita que este outro contributo em torno da Tecnoforma e do seu amigo Relvas pode representar para o PM, bem como para todos os seus admiradores, incluindo Poiares Maduro, uma boa achega e uma posição “natural” e favorável para a dita recandidatura?
A par da dívida política de Passos Coelho em relação ao seu correligionário Miguel Relvas, estruturada na JSD (Juventude Social Democrata) e reforçada, como este dizia no seu discurso despedida, durante “os dois anos de funções governativas (…) a que se somaram os dois anos anteriores, no decurso dos quais Relvas acreditou e lutou no interior do (…) partido pela afirmação de um novo líder que encabeçasse um projeto de mudança para Portugal, as notícias ligadas à criação e atividades da Tecnoforma, bem como do Centro Português para a Cooperação, vieram trazer luz a este relacionamento tão estreitamente “somático”. Passos Coelho defendeu e manteve Miguel Relvas, o seu braço-direito, até à última.
A última prova desta afeição tão anímica, como afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, foi a nomeação de Miguel Relvas para cabeça de lista do Conselho Nacional do PSD, anunciada em fevereiro de 2014, a qual, considera o comentador, foi uma "reparação pessoal" feita por Passos Coelho e "um gesto de amizade”.
Alguém acha isto “natural”?!
Como diz o povo, em política, tudo o que se promete, cumpre, falta, diz e desdiz, faz e desfaz, é “natural”… até aquilo que se defeca.
João Frada
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