domingo, 28 de setembro de 2014

Passos Coelho: recebeu ou não recebeu, eis a questão?

Enquanto deputado, nunca recebeu um cêntimo da Tecnoforma, garantiu Passos Coelho. 

“De acordo com a edição deste sábado do semanário expresso, a Tecnoforma tinha receitas provenientes do petróleo de Cabinda. A denúncia é feita por um ex-diretor geral da Tecnoforma que revela que havia um saco azul na empresa e que a ONG de Passos Coelho custou um milhão de euros por ano. Escreve o Expresso que durante pelo menos 15 anos, entre 1986 e 2001 os donos da Tecnoforma mantiveram uma companhia offshore na ilha de Jersey onde eram depositados vários milhões de dólares vindos de Angola. Nesse período, os formadores recrutados pelo Centro Português para a Cooperação eram pagos por essa offshore.” 

“O membro fundador Pedro Manuel Mamede Passos Coelho tomou a palavra.” Foi a primeira palavra dita em nome do Centro Português Para a Cooperação (CPPC), fundado na Avenida da Liberdade, em Lisboa, “aos onze dias do mês de Outubro”, de 1996. O ato teve lugar no escritório do advogado Fraústo da Silva, que tinha redigido os estatutos do CPPC a pedido de Passos Coelho, com o qual tinha estado, até cerca de um ano antes, nos órgãos dirigentes da JSD, na condição de presidente do Conselho Nacional de Jurisdição. http://www.publico.pt/politica/noticia/o-misterioso-cpp-que-1671050

O CPPC (Centro Português para a Paz e Cooperação), fundado em 1996 por Pedro Passos Coelho, Marques Mendes, Vasco Rato e Ângelo Correia, embora este último, quando confrontado pelo PÚBLICO, em 2012, tenha afirmado desconhecer tal instituição (“Dou-lhe a minha palavra de honra que não sei o que isso é”), tinha por missão a “integração socioeconómica de grupos mais desfavorecidos” e, nessa medida, acabaria por ser financiado “com cerca de 137 mil euros pelo Fundo Social Europeu (FSE) e pela Segurança Social portuguesa.”
Todavia, os resultados dos projetos levados a cabo pelo Centro Português para a Paz e Cooperação,  organização não-governamental (ONG) presidida entre 1997 e 1999 por Passos Coelho, na opinião de Luís Brito, diretor-geral da Tecnoforma entre 2001 e 2008, não justificaram os custos vultuosos exigidos com a sua ação. Durante esse período (1997-99) terá custado cerca de um milhão de euros por ano. O ex-diretor da Tecnoforma, à data dos factos, Fernando Madeira, discorda destes números.  
A saga, porém, aparece alimentada de outros quadrantes.
“Em conferência de imprensa realizada na sociedade de advogados que representa a Tecnoforma, em Lisboa, Cristóvão Costa Carvalho afirmou que Passos Coelho "foi remunerado pelos serviços prestados" à empresa.
Cristovão Costa Carvalho não revelou qualquer montante resultante da ligação de Passos Coelho à Tecnoforma, "principal mecenas do Centro Português para a Cooperação", ONG fundada pelo primeiro-ministro enquanto exercia o cargo de deputado (até 1999) e que "está inativa neste momento".
Refutando que o Centro Português para a Cooperação tenha sido "fundado pela Tecnoforma", o advogado sublinhou que a ONG tinha contabilidade própria, pelo que desconhece o valor dos reembolsos, que, hoje, no parlamento, o primeiro-ministro admitiu ter recebido a título de despesas de representação.
"Não posso responder. O reembolso é feito quando alguém apresenta um documento de despesa. A contabilidade da ONG nada tinha a ver com a Tecnoforma", disse o advogado, acrescentando que a empresa "prestou todos os esclarecimentos que foram solicitados" pelas autoridades judiciais.
(http://sicnoticias.sapo.pt/pais/2014-09-26-Representante-da-Tecnoforma-diz-que-Passos-Coelho-foi-consultor-de-2001-a-2007-)
Apertado no Parlamento pela oposição, como resposta, “Passos Coelho pôs as bancadas da maioria a aplaudir ao usar uma expressão pouco habitual em política: “Trata-se de um direito que eu tenho, fundamental, à reserva pessoal. Se cada vez que alguém aparecer com insinuações eu tiver de fazer o striptease das contas bancárias para deleite dos leitores de jornais, eu isso não faço”.
Contactado nesta quinta-feira pelo PÚBLICO, o fundador e então principal acionista da Tecnoforma, Fernando Madeira, que em 2012 não quis prestar quaisquer declarações sobre a existência de pagamentos a Passos Coelho naquele período, afirmou: “Estou convencido de que ele recebia qualquer coisa, mas não posso falar em valores porque não posso provar nada. Agora se era para pagar deslocações, telefonemas ou coisas parecidas, não sei.”
O empresário, com 70 anos, repetiu várias vezes que esta é a sua convicção e acrescentou: “O senhor não foi para ali [para o CPPC] pelos meus lindos olhos.” Fernando Madeira insistiu em que não pode provar nada, “porque o administrador que tratava da parte financeira era o Dr. Manuel Castro e o contabilista, que já morreu”.
O fundador da Tecnoforma, que já foi ouvido no DCIAP no âmbito do inquérito que ali decorre desde o início de 2013, mostra-se muito afetado por este processo e diz que só quer “esquecer tudo o que se passou”.
Fernando Madeira vendeu as suas ações na empresa em 2001 a João Luís Gonçalves, um advogado que foi secretário-geral da JSD quando Passos Coelho era presidente, a Manuel Castro e a Sérgio Porfírio, um antigo empregado da casa. Segundo garante, os compradores nunca lhe pagaram os valores negociados, razão pela qual pôs o caso em tribunal há vários anos. A Tecnoforma foi declarada insolvente pelo tribunal há cerca de dois anos.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) apenas confirma investigação à Tecnoforma. Reagindo à notícia da Sábado, a PGR divulgou um esclarecimento em que diz apenas que em 2013 foram instaurados dois inquéritos relacionados com a atividade da Tecnoforma, um dos quais, o do DCIAP, “se encontra em investigação e sujeito a segredo de justiça”. 
O outro – que visava os financiamentos concedidos à empresa para formar centenas de técnicos de aeródromos e heliportos municipais da região centro, e correu no Departamento de Investigação e Ação Penal de Coimbra – “foi objeto de despacho de arquivamento, nos termos do artigo 277, n.º 2 do Código de Processo Penal, em Junho de 2014.”
Perante estas afirmações, é difícil acreditar-se que Passos Coelho não tenha estado em exclusividade parlamentar, entre 1995 e 1999. Esteve, com certeza. É que, se realmente não tivesse cumprido esse cargo em regime exclusivo, não se compreende como é que viria a receber os 60 000 euros de subsídio de reintegração no ano 2000. Estaremos equivocados? Alguém nos pode elucidar?  
E se estava em exclusividade, claro está, não poderia receber qualquer outro vencimento, fosse de onde fosse. Mas, porque a lei é uma excelente peneira rota para facilitar e contornar estas dificuldades, poderia receber o que lhe quisessem dar sob a forma de compensações por colaboração e serviços prestados. Adiantou pagamentos do seu próprio bolso, disse Passos Coelho, ou seja, acrescentamos nós, foi credor da Tecnoforma, enquanto colaborador “desinteressado” desta empresa, e, como tal, tem ou teve direito a ser reembolsado… e porque não principescamente, todos os meses. Terá gasto, só à sua conta, 150 000 euros, em viagens “executivas”, telefonemas, almoços, jantares, fatos Armani, supomos nós, dada a elegância com que se veste e precisa de se apresentar, e que fosse, até, em clubes noturnos, onde se fazem bons contactos e excelentes negócios, desfrutando uma qualquer dança artística e sensual… mas, se foi em prol dos elevados objetivos da empresa que servia…, por isso, para quê pedirem-lhe agora que faça striptease com as suas contas bancárias? Será que o parlamento é o sítio ideal para sessões desta natureza? Não sabemos o que tinha em mente, na altura própria, quando o interpelaram e lhe veio aquela resposta à boca, mas também achamos que não. Strip é para outros locais. 
Porém, os valores em causa, 150 000, isto é, 5 000 euros por mês, que muitos afirmam terem sido pagos pela empresa Tecnoforma, consideramo-los um exagero. Não é possível que alguém gaste tanta “grana” em andanças mensais, e durante tanto tempo, de resto, com alguma dificuldade em cumprir horário de exclusividade e presença parlamentar conveniente e andar sempre em viagens e cumprindo outras funções paralelas, noutras latitudes. Será que teremos de remeter esta possibilidade para uma explicação mais transcendente, justificando-a através do dom da ubiquidade?! Parece-nos utópica.
Passo Coelho, inicialmente confrontado com esta cabala, de que teria recebido 150 000 euros, “in illo tempore”, e que não os teria declarado às Finanças, começou por dizer que não se lembrava de tais factos, apenas “mantendo a convicção de que sempre cumpriu as suas obrigações legais”.
Compreende-se o choque: dizerem-nos, de caras, que recebemos 150 000 euros e não os declarámos ao fisco na altura própria, gera-nos um bloqueio momentâneo terrível, tenhamo-nos ou não abotoado com eles. 
Curiosamente, esse trauma reativo, já lhe vem de longe. “Em novembro de 2012, num e-mail em que respondia a várias perguntas do PÚBLICO, Passos Coelho deixou sem resposta aquela que o questionava expressamente sobre se a Tecnoforma “alguma vez remunerou” os serviços por ele prestados enquanto presidente do Conselho de Fundadores do Centro Português para a Cooperação (CPPC) — uma organização não-governamental criada pela [mesma] Tecnoforma com o objetivo de facilitar a captação de contratos de formação profissional para a empresa.”(…)
“Apesar das múltiplas insistências feitas, essa pergunta nunca obteve resposta. 
De acordo com a Sábado, a denúncia que está a ser investigada pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) terá sido acompanhada de vários documentos e refere que o então deputado receberia cerca de cinco mil euros mensais através do Banco Totta & Açores.
A confirmar-se a existência de tais pagamentos, Passos Coelho estaria perante dois problemas: não ter declarado esses rendimentos (como resulta das suas declarações ao Tribunal Constitucional), fugindo assim ao fisco, e ter violado o regime de exclusividade que o impedia de auferir tais rendimentos.” 
Iluminado, por fim, como convinha, denotando a veia arguta que lhe é e tem sido peculiar, nem sempre, mas algumas vezes, descobriu a saída fácil e desenrascou-se com toda a sagacidade política: recebeu, sim senhores, não se lembra de quanto, nem vai jamais despir as suas contas bancárias em público, mas foram adiantamentos do que gastou com despesas de representação.
Moral da história: Passos Coelho é um verdadeiro artista da arte de representar. Porque gastou, pensamos nós, uma soma considerável de euros em representações onerosas. Ponto final.
Como desabafo final, apetece-nos dizer que todas ou quase todas as semanas se destampa mais uma panela com um cozinhado político, bancário ou financeiro mal confecionado e, acima de tudo, indigesto para a grande maioria dos consumidores. Começamos a habituar-nos a assistir a este “circo” permanente, em que os artistas, sem escola circense, conseguem fazer todas a piruetas, pantominas e acrobacias sem falhas, sem quedas do trapézio e sem o mínimo de preocupação com acidentes, já que todos têm seguro e rede legalmente garantidos. Pensemos no quanto custou ao Estado, ou seja, a todos nós, em termos de dinheiros públicos, de uma forma direta e indireta, uma instituição não-governamental como o CPPC, alimentada, entre outras fontes, pelo Fundo Social Europeu e pela própria Segurança Social e sem grande controlo do que movimenta, beneficiando, como é óbvio, de isenções fiscais invejáveis, já que o seu estatuto de ONG assim o determina. 
João Frada

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Memórias Desagradáveis

As situações designadas por hipomnésias ou amnésias lacunares, como esta que pode ter ofuscado temporariamente a capacidade de memória do Primeiro Ministro, não se lembrando nem do que terá recebido enquanto trabalhou na Tecnoforma, nem, alegadamente, de declarar o que recebeu nessas calendas dos anos noventa, datas longínquas dos finais do século passado, constituem infelizmente uma patologia recorrente entre castas e grupos mais afortunados da classe política, e não só, do nosso país. Mas... tudo numa boa. Pagam tarde, mas pagaram, não pagaram, irão pagar, se não pagaram, porque prescreveu, lavou-se a imagem e ponto final. Qualquer um pode sofrer de uma amnésia temporária e conveniente! Os "Shudras e Intocáveis", esses, ou estão atentos ou ficam com as contas congeladas e sujeitos a arresto das Finanças. 
Viva a equidade desta democracia cleptoplutocrática!
De tanto me acostumar e confrontar com esta realidade tão exótica, ainda corro o risco de vir a achar-lhe graça, por se esgotarem ou extinguirem todos os motivos que me façam rir. 
João Frada

domingo, 21 de setembro de 2014

Marinho Pinto e o pecado da gula

O eurodeputado Marinho e Pinto, eleito pelo Movimento Partido da Terra (MPT), anunciou que vai criar, a 5 de outubro, um novo partido político  (Partido Democrático Republicano) e prepara-se para formalizar a entrega do respetivo processo no Tribunal Constitucional, solicitando a aprovação dessa pretensão. Para o efeito, conta com apoiantes e simpatizantes nas mais diversas áreas, que ao longo do tempo foram seguindo a sua carreira política, de duração quase meteórica mas, realmente, com algum impacto numa grande fatia da sociedade portuguesa, em particular, naquela que se não identifica com nenhum dos grandes partidos, até agora, com responsabilidade governativa.
A ver vamos se este novo partido encabeçado por Marinho Pinto, consegue reunir as 7 500 assinaturas necessárias à sua definitiva entrada na luta política nacional.
As razões que terão levado o ex-bastonário da Ordem dos Advogados a ponderar sair do MPT e, consequentemente, a abandonar também o seu cargo de ex-deputado do Parlamento Europeu, são diversas, mas, de uma forma geral, identificam-se com o mal-estar, a insatisfação e a repulsa que o estado da nação atingiu, causados por governações incompetentes, suscetíveis de corrupção e de pactuar com múltiplas manobras desonestas e lesivas do erário público. Na sua opinião, o país atingiu um estado caótico retratado pela “degenerescência das instituições democráticas e [pel]o apodrecimento que se verifica em muitas instituições da República”.
Na sua ótica, o novo partido apenas reúne e pretende dar voz a todas as pessoas “inconformadas” que querem “contribuir para uma nova forma de fazer política, com mais honestidade”. 
Portugal e os portugueses, atolados em crise e austeridade e mergulhados na descrença e no desânimo, precisam de uma lufada de ar fresco, mas anseiam, sobretudo, por descobrir arautos que deem asas às suas esperanças e saibam içar de novo, bem alto, a bandeira da liberdade, da honestidade, da retidão e da justiça.
Temos seguido, atentamente, o percurso de Marinho Pinto através da sua quase constante presença na comunicação social, televisiva e jornalística, e por diversas vezes lhe vimos e ouvimos apontar o dedo à imoralidade da carga fiscal, à austeridade que atinge, dolorosamente, a maior parte da população portuguesa, aos baixos salários, ao desemprego que asfixia a Segurança Social e o próprio Estado, às injustiças patentes no fosso que divide os cada vez mais ricos dos cada dia mais pobres. E interroga-se como é que alguém pode sobreviver assim, sem as mínimas condições de sobrevivência, com ordenados miseráveis. E insurge-se contra a exploração a que se sujeitam os jovens licenciados, os que ainda por cá ficam, recebendo pelo seu trabalho autênticas esmolas, abaixo do ordenado mínimo nacional, já de si uma ninharia, a coberto de leis laborais profundamente iníquas e desumanas.
De repente, o sol que iluminava a sua aura resplandecente de valores éticos, morais e altruísticos, o seu sentido de humanidade e de justiça, a sua noção de solidariedade e o seu perfil de paladino, quase utópico, ensombreceu, ofuscado por algumas nuvens negras. Surge-nos com outro discurso.
Quando tantos licenciados, doutorados e técnicos diferenciados nas mais diversas áreas, não imberbes especialistas adjuntos dos senhores Ministros, mas homens de ciência e tecnologia, vivem, algumas vezes, sabe-se lá como, com menos de metade dos vencimentos de qualquer bastonário da Ordem de Advogados, de um qualquer Ministro da República, deputado, administrador ou gestor da coisa pública, Marinho Pinto resolve preocupar-se, não com a triste condição de quem sobrevive com bem menos do que um ordenado mínimo nacional, mas com ele próprio, com a situação de “pobreza” em que se vê, e pior ainda, com os mais afortunados da sociedade portuguesa, que, coitados, não dispõem do suficiente para fazerem face ao custo de vida citadino. Esquece-se, sabe-se lá porquê, de comparar os ordenados mínimos nacionais do Luxemburgo, da Grécia, de França, de Espanha, alguns deles bem superiores aos vencimentos de muitos docentes portugueses, licenciados, mestres e doutorados, que se desunham, estes sim, para poderem garantir a si e aos seus o mínimo de segurança, conforto e bem-estar, nas cidades ou nas vilas onde residem e trabalham. Mas entende e defende, agora, que os deputados, os ministros, o Presidente da República, os magistrados e outros tantos figurões, altamente imprescindíveis e insubstituíveis, muito bem pagos para o que produzem, devam ser aumentados, porque no estrangeiro os vencimentos dos seus homólogos são bem mais generosos. Curiosa forma, esta, de analisar a harmonização e distribuição da riqueza e justiça social e remunerativa propagandeada por Marinho Pinto, o até agora paladino da justiça social!   
Há pouco dias, ouvimo-lo de novo, durante uma entrevista televisiva, pondo a nu e a cru o absurdo e a ofensa que representam os gastos com vencimentos, privilégios, subvenções e mordomias dos eurodeputados, uma tremenda e abjeta carga que nos cai em cima da albarda tributária a todos nós, contribuintes que suportamos esta horda imensa de gente paga a peso de oiro.
Marinho Pinto… e usando palavras suas… considera “escandalosa” esta situação, mas, curiosamente, não se demarcou minimamente desta condição que considera tão aberrante nem faz ou fez questão de abdicar, total ou parcialmente, dessa remuneração… citando-o uma vez mais… tão “imoral”.
Poderia ter sido bem mais inteligente e politicamente correto, se tivesse disponibilizado parte desse absurdo ordenado a qualquer instituição mais carenciada, de crianças órfãs ou de velhos e doentes… a Associação Alzheimer Portugal, por exemplo, apela, nesta altura, a donativos…, mas não. Pensa, contudo, renunciar ao “tacho”, o que lhe fica muito bem, mas não ao apetecido e suculento “recheio” que traz dentro… apesar de o considerar indigesto demais para o seu gosto. 
Tem despesas, tem compromissos financeiros, não pode nem deve abdicar da receita mensal que lhe permite cumprir tais obrigações. Compreende-se. Mas, então, se o ordenado que recebeu de eurodeputado é, na sua opinião, demasiado chorudo, um verdadeiro Euromilhões mensal, porque não reparti-lo com quem precisa?!
Confrontado com a possibilidade de ter um destes gestos magnânimos e filantrópicos, dispensando parte do seu escandaloso vencimento com quem está mais necessitado, Marinho Pinto continuou o seu discurso, contornando o incómodo da pergunta, apontando a indecência de tal remuneração, mas firmemente convicto a não largar um “tusto”. Contribuir para estes peditórios não parece ser a sua especialidade. 
O que lhe terá acontecido para tal falha de argúcia política?!  
Deu um belo tiro no pé, dirão muitos que o ouviram nesta aparente contradição, incoerência ou ingenuidade momentânea. E, na verdade, apesar da grande capacidade retórico-dialética, da frontalidade, da ousadia e da coragem que lhe reconhecemos, patentes nas acaloradas discussões a que já nos habituou, nem sempre irrepreensíveis em termos de diplomacia e linguagem, o novo partido político que ora pretende formar, alicerçado nestas noções de solidariedade e nestes tão discutíveis princípios teóricos de justiça social, sujeita-se a não sair das fundações.    
Pobre rebanho, aquele, que confia no seu pastor e não sabe que também este tem dentes de lobo.       
João Frada

domingo, 7 de setembro de 2014

NO RESCALDO DO VERÃO

Ainda no seguimento do último artigo, a propósito das afirmações de Daniel Bessa, ex-ministro da Economia, sobre o não aproveitamento dos nossos recursos, que, não sendo muitos, chegariam, seguramente, para nos propiciar um desafogo económico e financeiro mais favorável, se os nossos dirigentes, os atuais e os que os precederam, tivessem “dois dedos de testa” com a acuidade necessária ao seu aproveitamento inteligente e sustentável, debruçamo-nos agora sobre outro setor: a floresta. 
Ontem mesmo, passou uma peça na TV sobre o desenvolvimento socioeconómico espantoso observado em Gussing, aldeia austríaca que, condenada à desertificação demográfica e à pobreza, soube aproveitar os seus recursos e sair desse marasmo, quando, na década de 90 do século passado, se virou para a megaprodução energética a partir da sua floresta. Nasceram aqui as primeiras centrais de biomassa da Europa. Hoje, é um local aprazível, revelando um índice de progresso, de riqueza e bem-estar invejáveis garantindo à população, com esta autêntica revolução tecnológica, emprego estável e uma total autonomia de energia limpa e autossustentável.
Mas, inovações deste tipo, em Portugal, só quando não existir floresta disponível! Com os milhares de hectares ardidos todos os anos, sem nenhum proveito para o país, a não ser para os madeireiros, é claro, que compram o produto chamuscado a preço da “uva mijona” e “chamam-lhe um figo”, a este negócio sazonal…
“A limpeza atempada e obrigatória das faixas laterais dos caminhos e estradas nacionais e florestais, através da recolha de biomassa constituída por matos, caruma, pinhas, ramos e troncos secos altamente inflamáveis, é, na nossa opinião, uma das prioridades mais urgentes para a prevenção deste constante descalabro ecoambiental mas, curiosamente, é mesmo a mais descuidada pelo Estado em todas as áreas florestais do território nacional. Bastaria, apenas, que este, mesmo não sendo o maior proprietário de matas e florestas, desse o exemplo, mandando limpar os solos florestais na época certa. Apesar das vozes especializadas que se ouvem, constantemente, apontando com grande convicção e autoridade as medidas certas para a solução deste problema, as quais não iriam determinar apenas uma redução drástica do risco de incêndio nas zonas de maior risco, mas poderiam também constituir, para além de uma importantíssima fonte energética (térmica, elétrica, etc.), uma oportunidade de emprego local para muita gente, os governos sucessivos tardam “em olhar” para a importância desta medida estratégica. Nesta fonte de trabalho incluem-se, naturalmente, os que anseiam por trabalhar e se agarram a tudo e aqueles que nada fazem e vivem parasitando o Estado, cultivando a preguiça, os vícios e a vida fácil, pendurados em subsídios a vida inteira ou vivendo “à sombra da bananeira”, fora e dentro das penitenciárias, comendo, bebendo e engordando “à conta do pagode”. 
   O trabalho dignifica e ocupa a mente e, à falta de melhores ofertas de emprego e ocupação, a limpeza de matas é uma tarefa de importância nacional que urge realizar. Em relação a esta medida, concordamos em absoluto com Moita Flores. Dignidade, noção do sacrifício e respeito pelos bens alheios são conceitos, noções que se aprendem também a trabalhar, suando, sentindo bem na pele o esforço exigido a tantos portugueses, aos “presos cá de fora”, acorrentados aos seguros e dívidas da casa e do automóvel, à conta obrigatória mensal da mercearia ou do supermercado, às múltiplas despesas do gás, da luz, da farmácia e da escola dos filhos, ao desgaste constante da luta pela sobrevivência diária. Assim, não seria pedir muito, solicitar colaboração a quem nada faz e de tudo tem sem grande esforço, com exceção da liberdade total, temporariamente restringida. Lembram os mais sarcásticos que quem gosta de “limpar” a fortuna do alheio, bancos, multibancos, ourivesarias, bolsos e carteiras, etc., seguramente, “sentir-se-á em casa”, limpando matas, caminhos, florestas, aceiros, valas e sarjetas. É só uma questão de instrumentos ou equipamentos: trocam as armas por vassouras, ancinhos, pás e picaretas e aplicam-se com igual empenho nestas operações ecológicas. 
Já se implementou e iniciou em Portugal o modelo ou “sistema brasileiro” de prisão ocupacional em regime aberto e, parece não haver dúvida de que através do exercício de uma profissão, é possível a reintegração social de muitos ex-presidiários, os quais, empenhados nas suas ocupações não só descobrem os valores do civismo e da moral, como encontram e estruturam no trabalho físico ou intelectual a sua própria dignidade e personalidade, enquanto cidadãos.
Mas, nesta iniciativa de cooperação e solidariedade nacional, devemos também poder contar com um exército de gente, sem habilitações literárias ou técnicas diferenciadas, que pouco se esforça para arranjar ocupação, enquanto o Estado não se decidir a criar ou a exigir soluções alternativas compensadoras, contrapartidas de trabalho cívico e social que justifiquem os respetivos subsídios de desemprego e rendimentos sociais de inserção.  
A par das obrigações e medidas assumidas pelo Estado, em relação à proteção e limpeza do seu património florestal, os proprietários de matas privadas, esses, receberiam também apoios e compensações governamentais e, sobretudo, autárquicos, para procederem, na época adequada, à respetiva limpeza, recolha e canalização dos seus resíduos florestais para a central de biomassa mais próxima. Face a tudo o que apontámos, convidamos os senhores leitores, com responsabilidades, ou não, nas políticas de gestão e desenvolvimento autárquico ou central a meditarem no impacto da exploração de Fontes de Energias Renováveis desta natureza, em Gussing, na Áustria. É, claramente, um exemplo para todos os países europeus, e não só, que se debatem com os mesmos problemas energéticos, climatéricos, sociais e económicos.
Como afirmámos mais acima, isto da limpeza e recolha de resíduos florestais, não é nem seria uma utopia. Especialistas como João Pedro Correia Bernardo e Carlos Pimenta, entre outros, defendem a ideia do aproveitamento da biomassa em termos de produção de energias renováveis, ligadas a um desenvolvimento sustentável. As mentes inteligentes que nos governam, porém, têm estado mais ocupadas na luta contra os incêndios e menos na sua prevenção, como se vê. E não nos parece que seja mais barato. A avaliar pelos milhões de euros gastos todos os anos nesta tarefa inglória, em que se perdem vidas e bens sem conta e ao país, em termos sociais, nada se acrescenta, a não ser mais tristeza e desilusão, se estas estratégias a nada ou a muito pouco conduzem, porque não arrepiar caminho e tentar outras saídas para combater e prevenir estes flagelos anuais de todos os verões e, simultaneamente, propiciar um novo fôlego à economia portuguesa através da construção de megacentrais de biomassa?!”  (Texto publicado por nós, com o título A Floresta Portuguesa no Rescaldo do Verão – Crónica III, no jornal O Figueirense, em 02.01.2009) 
Apetece-nos perguntar: Será que estamos a ser demasiado críticos ou pessimistas? Entre 2008 e 2014 mudou alguma coisa neste domínio?!
João Frada

GOVERNANTES NÃO USAM AS UNHAS QUE TÊM PARA TOCAR A ECONOMIA

De acordo com as declarações publicadas no jornal Público, desta última sexta-feira, dia 5 de setembro, o ex-ministro da Economia, Daniel Bessa, atual diretor-geral da Cotec Portugal, não só “é favorável à antecipação do pagamento do empréstimo ao FMI”, como afirma que “dizer que precisamos de investimento estrangeiro é zero, [e] não resolve coisa nenhuma”. Entende, por outro lado, que a “grande área da velhice e da doença” representa um “nicho” que Portugal poderia aproveitar, com grande impacto na nossa economia. “Portugal tem condições para ser um prestador de serviços de complexidade moderada na área da saúde e da doença a tudo o que é Europa e mercado europeu”. Diz ainda que o mar não é recurso (…), é um inerte (…) e defende que para que o mar seja considerado um recurso, é preciso existir capacidade de o usar”.
Na verdade, todos sabemos que a nossa extensíssima faixa marítima atlântica, aliada ao clima privilegiado de que usufruímos todo o ano, só não é nem tem sido aproveitada em termos económicos, porque tem faltado competência, inteligência e sentido de governação aos nossos dirigentes, incluindo, muito provavelmente, a Daniel Bessa, que parece ter acordado só agora e quebrado o silêncio, saindo de uma inércia que, afinal, não toca só o mar.     
Há três anos, exatamente, em artigo que demos para publicação ao jornal O Figueirense, em 23.06.2011, dizíamos nós o seguinte, a propósito do mau aproveitamento dessa gigantesca fonte de recursos, que é o nosso mar:   
Apostou-se em estádios de futebol e a maioria “está às moscas” todo o ano, mas ponderar em valorizar os nossos recursos, isso, ou é condicionado por quotas europeias, levando à “mumificação” destes setores, ou é relegado, pura e simplesmente, a uma prioridade secundaríssima no contexto das preocupações de governação central e autárquica. Estabelecem-se tantas parcerias público-privadas e algumas têm sido um desastre para as finanças públicas. Todavia, estas “parcerias estratégicas”, se implementadas com o maior sentido de racionalidade, seriedade e ponderação ao serviço de novos projectos viáveis e sustentáveis, poderiam vir a tornar-se rápidos motores de emprego, de desenvolvimento e de riqueza. O tempo urge e as nossas tremendas “obrigações de dívida” não perdoam. 
O mar, a todos os níveis, é um dos nossos maiores bens. Desde recursos alimentares, a energia limpa, se o soubermos explorar (e há já tecnologia para o efeito), a lazer, podemos encontrar nesta vertente uma quase inesgotável fonte de receita e de saúde. É espantoso como um País com mais de 800 Km de costa, sem contar com as Ilhas, com sol quase todo o ano e um clima dos mais amenos da Europa, não dispõe de mais de meia dúzia de talassocentros e alguns deles apenas de acesso restrito! Oferecendo talassoterapia (sol, água do mar, areia marinha, algas) todo o ano, boa gastronomia e hotelaria, lazer e saúde, criavam-se empregos, atraíam-se turistas e dinamizava-se, deste modo, um importante setor da nossa economia que, por ora, se mantém praticamente inexplorado. Esta modalidade terapêutica, tal como a termaloterapia, é uma das melhores alternativas para a correção ou cura de patologias osteo-articulares, agudas ou crónicas, e poderia vir também a representar uma aposta inteligente e de grande eficácia no domínio da saúde pública em Portugal. Se é possível estabelecer convénios com centros termais, porque não com talassocentros, caso eles existam e ofereçam as condições convenientes de utilização?! Explorando inteligentemente os nossos recursos e capacidades, estes ou outros que garantam viabilidade e rendibilidade económicas imediatas, talvez então possamos vislumbrar alguma luz ao fundo do túnel. 
Ou se fazem investimentos e se gera riqueza familiar através do emprego, ou venham “os milhões” que vierem, não viremos a ter quaisquer hipóteses de sobrevivência económica e financeira. Seremos, pura e simplesmente, engolidos pelo grande capital estrangeiro que, a pouco e pouco, nos atirará para a pobreza generalizada, tomando conta e anexando todos os nossos setores estratégicos e produtivos. Não é com uma contínua e crescente sangria fiscal, altamente lesiva da capacidade de sobrevivência e investimento de famílias e empresas, que a economia portuguesa se conseguirá endireitar. Esta fonte, senhores dirigentes, já tem um lençol freático muito exaurido.  
João Frada