Enquanto deputado, nunca recebeu um cêntimo da Tecnoforma, garantiu Passos Coelho.
“De acordo com a edição deste sábado do semanário expresso, a Tecnoforma tinha receitas provenientes do petróleo de Cabinda. A denúncia é feita por um ex-diretor geral da Tecnoforma que revela que havia um saco azul na empresa e que a ONG de Passos Coelho custou um milhão de euros por ano. Escreve o Expresso que durante pelo menos 15 anos, entre 1986 e 2001 os donos da Tecnoforma mantiveram uma companhia offshore na ilha de Jersey onde eram depositados vários milhões de dólares vindos de Angola. Nesse período, os formadores recrutados pelo Centro Português para a Cooperação eram pagos por essa offshore.”
“O membro fundador Pedro Manuel Mamede Passos Coelho tomou a palavra.” Foi a primeira palavra dita em nome do Centro Português Para a Cooperação (CPPC), fundado na Avenida da Liberdade, em Lisboa, “aos onze dias do mês de Outubro”, de 1996. O ato teve lugar no escritório do advogado Fraústo da Silva, que tinha redigido os estatutos do CPPC a pedido de Passos Coelho, com o qual tinha estado, até cerca de um ano antes, nos órgãos dirigentes da JSD, na condição de presidente do Conselho Nacional de Jurisdição. http://www.publico.pt/politica/noticia/o-misterioso-cpp-que-1671050
O CPPC (Centro Português para a Paz e Cooperação), fundado em 1996 por Pedro Passos Coelho, Marques Mendes, Vasco Rato e Ângelo Correia, embora este último, quando confrontado pelo PÚBLICO, em 2012, tenha afirmado desconhecer tal instituição (“Dou-lhe a minha palavra de honra que não sei o que isso é”), tinha por missão a “integração socioeconómica de grupos mais desfavorecidos” e, nessa medida, acabaria por ser financiado “com cerca de 137 mil euros pelo Fundo Social Europeu (FSE) e pela Segurança Social portuguesa.”
Todavia, os resultados dos projetos levados a cabo pelo Centro Português para a Paz e Cooperação, organização não-governamental (ONG) presidida entre 1997 e 1999 por Passos Coelho, na opinião de Luís Brito, diretor-geral da Tecnoforma entre 2001 e 2008, não justificaram os custos vultuosos exigidos com a sua ação. Durante esse período (1997-99) terá custado cerca de um milhão de euros por ano. O ex-diretor da Tecnoforma, à data dos factos, Fernando Madeira, discorda destes números.
A saga, porém, aparece alimentada de outros quadrantes.
“Em conferência de imprensa realizada na sociedade de advogados que representa a Tecnoforma, em Lisboa, Cristóvão Costa Carvalho afirmou que Passos Coelho "foi remunerado pelos serviços prestados" à empresa.
Cristovão Costa Carvalho não revelou qualquer montante resultante da ligação de Passos Coelho à Tecnoforma, "principal mecenas do Centro Português para a Cooperação", ONG fundada pelo primeiro-ministro enquanto exercia o cargo de deputado (até 1999) e que "está inativa neste momento".
Refutando que o Centro Português para a Cooperação tenha sido "fundado pela Tecnoforma", o advogado sublinhou que a ONG tinha contabilidade própria, pelo que desconhece o valor dos reembolsos, que, hoje, no parlamento, o primeiro-ministro admitiu ter recebido a título de despesas de representação.
"Não posso responder. O reembolso é feito quando alguém apresenta um documento de despesa. A contabilidade da ONG nada tinha a ver com a Tecnoforma", disse o advogado, acrescentando que a empresa "prestou todos os esclarecimentos que foram solicitados" pelas autoridades judiciais.
(http://sicnoticias.sapo.pt/pais/2014-09-26-Representante-da-Tecnoforma-diz-que-Passos-Coelho-foi-consultor-de-2001-a-2007-)
Apertado no Parlamento pela oposição, como resposta, “Passos Coelho pôs as bancadas da maioria a aplaudir ao usar uma expressão pouco habitual em política: “Trata-se de um direito que eu tenho, fundamental, à reserva pessoal. Se cada vez que alguém aparecer com insinuações eu tiver de fazer o striptease das contas bancárias para deleite dos leitores de jornais, eu isso não faço”.
Contactado nesta quinta-feira pelo PÚBLICO, o fundador e então principal acionista da Tecnoforma, Fernando Madeira, que em 2012 não quis prestar quaisquer declarações sobre a existência de pagamentos a Passos Coelho naquele período, afirmou: “Estou convencido de que ele recebia qualquer coisa, mas não posso falar em valores porque não posso provar nada. Agora se era para pagar deslocações, telefonemas ou coisas parecidas, não sei.”
O empresário, com 70 anos, repetiu várias vezes que esta é a sua convicção e acrescentou: “O senhor não foi para ali [para o CPPC] pelos meus lindos olhos.” Fernando Madeira insistiu em que não pode provar nada, “porque o administrador que tratava da parte financeira era o Dr. Manuel Castro e o contabilista, que já morreu”.
O fundador da Tecnoforma, que já foi ouvido no DCIAP no âmbito do inquérito que ali decorre desde o início de 2013, mostra-se muito afetado por este processo e diz que só quer “esquecer tudo o que se passou”.
Fernando Madeira vendeu as suas ações na empresa em 2001 a João Luís Gonçalves, um advogado que foi secretário-geral da JSD quando Passos Coelho era presidente, a Manuel Castro e a Sérgio Porfírio, um antigo empregado da casa. Segundo garante, os compradores nunca lhe pagaram os valores negociados, razão pela qual pôs o caso em tribunal há vários anos. A Tecnoforma foi declarada insolvente pelo tribunal há cerca de dois anos.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) apenas confirma investigação à Tecnoforma. Reagindo à notícia da Sábado, a PGR divulgou um esclarecimento em que diz apenas que em 2013 foram instaurados dois inquéritos relacionados com a atividade da Tecnoforma, um dos quais, o do DCIAP, “se encontra em investigação e sujeito a segredo de justiça”.
O outro – que visava os financiamentos concedidos à empresa para formar centenas de técnicos de aeródromos e heliportos municipais da região centro, e correu no Departamento de Investigação e Ação Penal de Coimbra – “foi objeto de despacho de arquivamento, nos termos do artigo 277, n.º 2 do Código de Processo Penal, em Junho de 2014.”
Perante estas afirmações, é difícil acreditar-se que Passos Coelho não tenha estado em exclusividade parlamentar, entre 1995 e 1999. Esteve, com certeza. É que, se realmente não tivesse cumprido esse cargo em regime exclusivo, não se compreende como é que viria a receber os 60 000 euros de subsídio de reintegração no ano 2000. Estaremos equivocados? Alguém nos pode elucidar?
E se estava em exclusividade, claro está, não poderia receber qualquer outro vencimento, fosse de onde fosse. Mas, porque a lei é uma excelente peneira rota para facilitar e contornar estas dificuldades, poderia receber o que lhe quisessem dar sob a forma de compensações por colaboração e serviços prestados. Adiantou pagamentos do seu próprio bolso, disse Passos Coelho, ou seja, acrescentamos nós, foi credor da Tecnoforma, enquanto colaborador “desinteressado” desta empresa, e, como tal, tem ou teve direito a ser reembolsado… e porque não principescamente, todos os meses. Terá gasto, só à sua conta, 150 000 euros, em viagens “executivas”, telefonemas, almoços, jantares, fatos Armani, supomos nós, dada a elegância com que se veste e precisa de se apresentar, e que fosse, até, em clubes noturnos, onde se fazem bons contactos e excelentes negócios, desfrutando uma qualquer dança artística e sensual… mas, se foi em prol dos elevados objetivos da empresa que servia…, por isso, para quê pedirem-lhe agora que faça striptease com as suas contas bancárias? Será que o parlamento é o sítio ideal para sessões desta natureza? Não sabemos o que tinha em mente, na altura própria, quando o interpelaram e lhe veio aquela resposta à boca, mas também achamos que não. Strip é para outros locais.
Porém, os valores em causa, 150 000, isto é, 5 000 euros por mês, que muitos afirmam terem sido pagos pela empresa Tecnoforma, consideramo-los um exagero. Não é possível que alguém gaste tanta “grana” em andanças mensais, e durante tanto tempo, de resto, com alguma dificuldade em cumprir horário de exclusividade e presença parlamentar conveniente e andar sempre em viagens e cumprindo outras funções paralelas, noutras latitudes. Será que teremos de remeter esta possibilidade para uma explicação mais transcendente, justificando-a através do dom da ubiquidade?! Parece-nos utópica.
Passo Coelho, inicialmente confrontado com esta cabala, de que teria recebido 150 000 euros, “in illo tempore”, e que não os teria declarado às Finanças, começou por dizer que não se lembrava de tais factos, apenas “mantendo a convicção de que sempre cumpriu as suas obrigações legais”.
Compreende-se o choque: dizerem-nos, de caras, que recebemos 150 000 euros e não os declarámos ao fisco na altura própria, gera-nos um bloqueio momentâneo terrível, tenhamo-nos ou não abotoado com eles.
Curiosamente, esse trauma reativo, já lhe vem de longe. “Em novembro de 2012, num e-mail em que respondia a várias perguntas do PÚBLICO, Passos Coelho deixou sem resposta aquela que o questionava expressamente sobre se a Tecnoforma “alguma vez remunerou” os serviços por ele prestados enquanto presidente do Conselho de Fundadores do Centro Português para a Cooperação (CPPC) — uma organização não-governamental criada pela [mesma] Tecnoforma com o objetivo de facilitar a captação de contratos de formação profissional para a empresa.”(…)
“Apesar das múltiplas insistências feitas, essa pergunta nunca obteve resposta.
De acordo com a Sábado, a denúncia que está a ser investigada pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) terá sido acompanhada de vários documentos e refere que o então deputado receberia cerca de cinco mil euros mensais através do Banco Totta & Açores.
A confirmar-se a existência de tais pagamentos, Passos Coelho estaria perante dois problemas: não ter declarado esses rendimentos (como resulta das suas declarações ao Tribunal Constitucional), fugindo assim ao fisco, e ter violado o regime de exclusividade que o impedia de auferir tais rendimentos.”
Iluminado, por fim, como convinha, denotando a veia arguta que lhe é e tem sido peculiar, nem sempre, mas algumas vezes, descobriu a saída fácil e desenrascou-se com toda a sagacidade política: recebeu, sim senhores, não se lembra de quanto, nem vai jamais despir as suas contas bancárias em público, mas foram adiantamentos do que gastou com despesas de representação.
Moral da história: Passos Coelho é um verdadeiro artista da arte de representar. Porque gastou, pensamos nós, uma soma considerável de euros em representações onerosas. Ponto final.
Como desabafo final, apetece-nos dizer que todas ou quase todas as semanas se destampa mais uma panela com um cozinhado político, bancário ou financeiro mal confecionado e, acima de tudo, indigesto para a grande maioria dos consumidores. Começamos a habituar-nos a assistir a este “circo” permanente, em que os artistas, sem escola circense, conseguem fazer todas a piruetas, pantominas e acrobacias sem falhas, sem quedas do trapézio e sem o mínimo de preocupação com acidentes, já que todos têm seguro e rede legalmente garantidos. Pensemos no quanto custou ao Estado, ou seja, a todos nós, em termos de dinheiros públicos, de uma forma direta e indireta, uma instituição não-governamental como o CPPC, alimentada, entre outras fontes, pelo Fundo Social Europeu e pela própria Segurança Social e sem grande controlo do que movimenta, beneficiando, como é óbvio, de isenções fiscais invejáveis, já que o seu estatuto de ONG assim o determina.
João Frada
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