O País e os Paradigmas
Numa só noite de sessão televisiva ouvimos pronunciar, sem
exagero, ao fazermos zapping em
vários canais portugueses, da boca de vários supostos “analistas e politólogos”,…
e, quase juraríamos, alguns deles estão,
claramente, ao serviço do governo, pelo seu estilo “emplumado” de papagaios…,
uma boa dúzia de vezes o vocábulo “paradigma”. E tudo numa perspectiva transformista
e mais do que evolutiva e positiva da economia e da sociedade portuguesas, numa
verdadeira onda salvítica, altamente enriquecedora e conducente ao bem-estar e à
libertação definitiva do miserável atoleiro económico e financeiro em que
o país mergulhou por culpa de alguns irresponsáveis VIP, de que tarda em haver qualquer lista, na verdade de muitos que por aí
andam às claras de carteira e pança recheadas, sem que ninguém lhes peça ou
venha a pedir contas das suas atrocidades. Uma convicção inabalável, cantilena artística e engenhosamente manipuladora, alicerçada
em números e estatísticas produzidas por “inteligentes crânios” nacionais e
internacionais, estes últimos mais suscetíveis a falhanços de previsões e a
terem que assumir, não tarda, “orelhas de burro”. Curiosamente, tais orelhas, também
por cá, para quem fazia tanta questão de baixar o IVA e o viu subir,
enganando-se na previsão, eram ornatos bem capazes de [lhe] caírem na perfeição.
O país está em crescendo e, apesar dos “números de défice e de
dívida” não serem muito favoráveis, tudo parece tender a um novo paradigma, o
da salvação nacional. Um novo paradigma, traduzido pela “carta de alforria”
concedida pelos nossos credores internacionais e pela TROIKA, em particular, a
quem continuamos devedores de milhares de milhões, está prestes a verificar-se em
Portugal. É só questão de meia dúzia de anos…afirmam os mais crentes. Os
investimentos externos e consequentes lucros chorudos esperados, agora que pusemos nas mãos do grande capital
estrangeiro as nossas melhores “máquinas produtivas”, privatizando os mais importantes
setores estratégicos nacionais, não tardam por aí, e os empregos e proveitos para o
país e para a sociedade portuguesa, com estes novos gestores tão filantrópicos ao comando destes “barcos” ou do que resta da nossa "frota",
vão escorrer às catadupas.
Os milhões que têm sido desbaratados sem dó nem piedade, nem
proveito para o país, em negócios ruinosos, em desvios, aplicações e transacções
fraudulentas, através da banca e de outros organismos públicos e privados, com
altíssimos prejuízos para o Estado, sem que se vejam pesadas punições sobre os responsáveis
por estes desmandos de lesa-pátria, constituem um paradigma de tardia mudança,
senão mesmo de crónica persistência. Esta palavra, “paradigma”, serve para
abrilhantar e etiquetar todas as mudanças, todos os contrastes que, na opinião
de tantos papagaios ou aves raras, canoras sim, mas desafinadas, monopolizadoras
e manipuladoras dos écrans, se esquecem de aplicar este conceito tão “in” e sonantemente
filosófico às demais situações aberrantes, absurdas, deprimentes, abjectas que
têm caracterizado a atuação de tantas figuras do poder, governantes, políticos
e quejandos, nestas últimas quatro décadas de democracia.
Será que o paradigma atual da desonestidade, da corrupção, da
vigarice, da mentira, da falta de escrúpulos, da amnésia política, do
incumprimento, da incompetência, do conluio público-privado, do roubo camuflado
ou da delapidação, às claras, do erário público, do tráfico de influências, da
incoerência, da injustiça social, estará para mudar, extinguindo-se de vez na
sociedade portuguesa, ou é algo que jamais virá a sofrer alterações de saneamento
sociojurídico, ético, cívico e moral?
Sempre é mais fácil exaltar os paradigmas feitos de mudanças
positivas e esquecer ou querer que nos esqueçamos dos que são verdadeiras misérias,
paradigmas que ninguém ou muito poucos hão de querer lembrar ou pôr em causa, nos
meios de comunicação social, dando a cara e afrontando os "poderes instalados",
quantos deles com culpas no cartório, como se tem visto.
João Frada
Professor Universitário