HOJE é sexta-feira e, como a disposição do Pessoal anda tão por baixo, mesmo que não o confessem, sinto-me no dever, como amigo e, de certo modo, também como médico, ainda que não me solicitem os serviços, de vos trazer e deixar aqui uma boa dose de ânimo e de boa disposição, "contributos proativos" ainda não vendáveis em loja ou farmácia, para melhorarem o fim de semana que começou ou vai começar para muitos de nós/vós. Trago-vos essa terapêutica sob a forma de texto satírico – A Nova Taxa (TCN – Taxa de Contenção Nacional)
Desta maneira, espero poder compensar o estado depressivo, inquietante e, porventura, de revolta que vos terei provocado, ainda que não fosse essa a intenção, com a última publicação das batidas do TAC TAC do martelo.
Leiam com atenção até ao fim, senão o efeito terapêutico da leitura não surte o efeito desejado.
“A NOVA TAXA (TCN)”
Se não for a ficção a trazer-nos alguma dose de boa disposição, alegria e libertação, não é seguramente a realidade que nos dará algum consolo.
Segundo as últimas novidades, um observatório anónimo (Observatório Nacional de Escutas Ilegais), através de escutas telefónicas fidedignas, garante que se preparam novas investidas tributárias, visando à aplicação de mais uma taxa, agora não apenas sobre pensionistas e reformados, com vencimentos a partir dos mil euros, mas sobre toda a população letrada e alfabetizada.
Ouçamos, ou, melhor, leiamos transcrições da conversa telefónica, alegadamente estabelecida através de “telemóveis de cartão”, entre dois indivíduos, até agora de identidade desconhecida, que se identificavam pelo nome de código de PC e PP. Apenas se pode presumir que, dado o teor da conversa, possam de algum modo estar ligados ao governo.
― Querido PP, as condições de equilíbrio financeiro ainda não estão como se esperava, dada a constante obstrução daquele bando de corujas e pegas que, só agora, depois de tantos anos sem fazerem nada, auferindo ótimos vencimentos…tomara eu…, reformando-se praticamente depois de completarem a maioridade, …onde é que isto já se viu?…, resolveram meter o nariz onde não deviam ser chamadas. E, por tais motivos, temos que aplicar a TCN. Não lhe poderemos chamar imposto, já que é terminologia que fere muitas suscetibilidades.
― Querido PC, não obstante eu estar habituado a discursos longos e herméticos, tenho de confessar que a informação emitida pelo meu querido amigo não me parece suficientemente clara, talvez devido às péssimas condições telefónicas…sempre com interferências e, ponho em dúvida se não poderemos estar a ser escutados…ou, então, pela minha incapacidade de abarcar tanta informação codificada. Em resumo, não percebi rigorosamente nada do que acabou de dizer.
― Bem, meu querido PP, referia-me à TCN, ou seja, a uma taxa que não deve oscilar os 15 euros/ mês, paga e aplicada, voluntariamente, a partir dos dez anos de idade, taxa esta que tem que ser discutida, aprovada e implementada rapidamente pelos nossos companheiros de equipa. Faça as contas e veja quanto é que isto não representa no final do ano.
― Santíssimo! Se me diz que tal taxa levanta a economia dessa maneira, então, nem lhe pergunto para que serve, ainda que não saiba verdadeiramente do que se trata. São nove da manhã e, sem café, o meu cortisol ainda se mantém em níveis demasiado baixos, tolhendo-me o raciocínio. Se me diz, contudo, que tal taxa serve para nos garantir a continuidade no poleiro, no qual tão dificilmente me tenho equilibrado, então, nem levanto mais questões ou objeções sobre o assunto. Mas, se me diz que essa decisão é mesmo de caráter definitivo e permanente, então gostaria que me explicasse em que consiste.
― Querido PP, esta taxa não é mais nem menos do que a Taxa de Contenção Nacional. Contenção sobre o que se diz e o que se escreve. Uma taxa paga mensalmente no valor de 15 euros dá direito a escrever o que se pretenda, desde que não assuma um caráter demasiado ofensivo do bom nome de ninguém. Não querendo pagar a referida taxa, fica-se na contingência de pagar imposto por cada ato de escrita considerado exagerado quanto à forma e ao conteúdo. E será o tribunal a decidir a coima. Sai mais caro ao prevaricador. Creio que toda a gente preferirá pagar a TCN. O OS também, de algum modo, pensou nestes mecanismos de contenção, simplesmente, obteve poucos lucros com isso.
― O OS? Não estou a ver quem é.
― Claro que não o pode ver. O OS já morreu. Mas que nos deixou uns bons ensinamentos, ah, isso deixou. E eu, confesso, embora sinta que não lhe deveria fazer tal confissão, tento seguir à risca, com algumas adaptações, como é óbvio, as suas sábias orientações.
― Começo a ver agora a quem se refere. Um homem brilhante, que também aprecio sobremaneira. Vou fazer-lhe também uma confidência que apenas minha mãe conhece: à cabeceira da minha cama, tenho pendurada não a imagem de Nossa Senhora mas a fotografia imponente dessa grande figura.
― Ora, já que estamos em maré de confidências, então dir-lhe-ei, meu querido PP: também na parede da frente, de quem entra, do meu escritório pessoal tenho uma foto gigante desse grande gigante que se antecipou a todos nós nestas coisas tão complicadas de aplicar taxas. E não são taxas de sapateiro. Não. Essas são seguramente mais fáceis de cravar. Mas, com jeito, também lá vamos.
― Finalmente, se me diz que isso é mesmo para ir em frente, então, gostaria que me elucidasse sobre qual o modo de aplicação dessa taxa. É fundamental que eu esteja por dentro dessa coisa, senão, como vai sendo habitual, quando os corujas da comunicação me interpelarem, ainda corro o risco de, mais uma vez, entrar em rota de colisão com o meu querido amigo. Por isso, é melhor pôr-me ao corrente do assunto.
― Estou, aliás, estamos todos a ficar cansados de críticas, sátiras, bocas foleiras, comentários maliciosos, insultos, vaias, posters com ditos jocosos acerca de tudo o que fazemos, dizemos e pensamos. Por isso, estou a pensar criar uma Comissão de Censura constituída por peritos e fiscais especializados nestas matérias. Ao contrário do OS, que proibia terminantemente todas essas bacoradas e despropósitos sobre a sua pessoa e o seu modo de gerir as coisas, punindo seriamente os mais incautos, eu não penso, de todo, impor ou determinar quaisquer proibições sobre nada. Pelo contrário. Tomara eu que venha a aumentar esta onda de protestos. Aplica-se a TCN e, quem quer que ouse escrever ou divulgar publicamente, de algum modo, em pasquins, panfletos, livro, jornal, incluindo o de parede, revista e internet, considerações em prosa ou em verso sobre mim ou sobre qualquer um dos meus prosélitos, desde que seja identificado paga taxa ou, em última instância, imposto, bem mais oneroso. Já viu bem a receita monstruosa que poderemos vir a obter com esta medida tão simples?
― Querido PC, nunca me lembraria de tal. Se me diz semelhante coisa, só posso aplaudi-lo. Você é mesmo um génio. E daqueles que não cabem em qualquer cartola! Digo mais: nem numa lâmpada de Aladino! Os meus parabéns.
A conversa telefónica prosseguiu, mas o resto do diálogo não tem qualquer interesse nem para o leitor, nem para o observatório anónimo que se dignou ceder-nos esta informação, ainda em fase de descodificação. Não há certezas plenas sobre a identidade dos indivíduos em causa: PC, PP e OS. Aguardam-se novos dados sobre este assunto.
Recolha e publicação (ipsis verbis)
Por especial deferência do ONEI (Observatório Nacional de Escutas Ilegais)
João Frada, Professor Universitário