Afinal, em Portugal, há ou não corrupção?
Cândida Almeida: “Onde há poder, há corrupção”.
Num artigo, da autoria de Carlos Rodrigues, publicado no “Diário de Notícias” de 26 de março de 2009, podíamos ler estas afirmações de Cândida Almeida, nessa data, directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal:
“A penalização do enriquecimento ilícito é fundamental para a existência de um Estado transparente “perante a exibição pública de poder e de dinheiro de um pequeno grupo cada vez mais rico que afronta a sociedade”, disse hoje Cândida Almeida, directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal.”
(…)
Para Cândida Almeida, acabar com a corrupção é uma tarefa impossível. “Onde houver poder, há corrupção. A nossa tarefa é controlá-la, mantendo em níveis aceitáveis.”
(…)
“Uma população menos qualificada, menos crítica, menos atenta, facilita a oferta de decisões ilícitas.”
http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=1182233#AreaComentarios)
Para Cândida Almeida, a corrupção não deve ou não tende a deixar de existir. Deverá continuar a haver, seguramente, mas em níveis aceitáveis. Cómica, esta afirmação!
O que são níveis aceitáveis? Numa escala de 1 a 10, por exemplo, o que considerará a ex-diretora do DCIAP como um nível razoável?
Na sua perspetiva, pelos vistos, é uma população mais qualificada, crítica e atenta que impede decisões ilícitas. Ou seja, quando há corrupção entre as classes do poder, e esta hipótese não é totalmente afastada por Cândida Almeida em todas as suas decalarações (“onde há poder há corrupção; não há corrupção entre a classe política, mas a haver, é residual; não deve haver corrupção, mas se houver que seja em níveis aceitáveis”), essa terrível mazela entre a elite governativa fica a dever-se, implicitamente, não ao perfil desonesto, indigno, imoral e torpe do indivíduo que pratica ações ilícitas (branqueamento de capitais, fraude fiscal, favorecimentos, tráfico de influências, corrupção, uso abusivo do erário público, etc.), mas da população, em geral, que, na opinião da ilustre magistrada, dr.ª Cândida Almeida, é acrítica, pouco qualificada, politicamente ignorante, desatenta e indiferente aos rumos de quem governa. Em resumo, é à grande maioria da população que deve ser imputada a culpa da corrupção, quando ela existe e judicialmente fica comprovada enquanto prática ilícita de um ou outro governante, oportunamente, apanhado ou caído nas malhas da judiciária e da justiça.
(http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=1182233#AreaComentarios)
Mais recentemente, a dr.ª Cândida de Almeida, depois de uma esforçada análise sobre esta matéria tão preocupante para qualquer instituição que exerce a ação penal e vela pela defesa da legalidade democrática e pela promoção do acesso dos cidadãos ao direito e à justiça, assume publicamente que “a corrupção não existe”. Ainda na qualidade de diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), foi à Universidade de Verão da JSD proferir uma oração de sapiência sobre a sua especialidade. Na preleção, a magistrada, a fazer fé na comunicação social, disse "olhos nos olhos" aos jovens sociais-democratas que "o nosso país não é corrupto, os nossos políticos não são corruptos, os nossos dirigentes não são corruptos".
(http://apodrecetuga.blogspot.pt/2014/10/nao-ha-corruptos-em-portugal-diz.html)
Entretanto, a dr.ª Paula Teixeira da Cruz, Ministra da Justiça, parece ter uma opinião bem diferente e deixa bem clara a sua posição sobre este assunto: “elege como prioridade o combate à corrupção que “mina o Estado de Direito” e a recuperação da credibilidade do sector.”
(http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/politica/detalhe/paula-teixeira-da-cruz-combater-corrupcao.html)
De igual modo, e contrariamente a Cândida Almeida, o vice-presidente da Associação de Integridade e Transparência, dr. Paulo de Morais, garantiu hoje que a crise económica em Portugal não se deve ao facto de os portugueses terem vivido acima das suas possibilidades, mas aos fenómenos de corrupção. Na sua opinião, expressa sobre a "Origem da Crise" numa conferência onde se discutiu o “Modelo do Estado Social”, promovida pela Escola Superior de Ciências Empresariais do Instituto Politécnico de Setúbal, "grande parte da dívida pública e privada é fruto da corrupção e não dos alegados excessos dos portugueses. (…) O que o Estado pagou a mais às PPP só é possível porque a sede da política - Assembleia da República - está transformada num centro de negócios". (…) A aquisição de dois submarinos à Alemanha é, segundo Paulo Morais, mais uma caso de "corrupção comprovada", não pelos tribunais portugueses, mas pelos tribunais da Alemanha.(…) Na Alemanha há pessoas [acusadas de corrupção] a dormirem todos os dias na cadeia.”
(http://www.jn.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=3197601&page=-1)
Marinho Pinto, ilustre jurista, ex-bastonário da Ordem dos Advogados e fundador do PDR (Partido Democrático Republicano), também no seu jeito muito peculiar de fazer política, vem denunciando o que toda a gente sabe existir e até agora ninguém ou muito poucos têm conseguido provar; segundo ele, há corrupção, e muita, entre a classe política e entre governantes e empresários com ligações profundas ao Estado.
Curiosamente, porém, tal como a dr.ª Cândida Almeida, o dr. Marinho Pinto vai dizendo que “o povo tem os governantes que merece”, já que elege gente com antecedentes pouco fiáveis, com processos de suspeição em curso, com condenaçoes no currículo. Na sua opinião, “O povo não é exemplar nas opções políticas que faz”. Embora essa razão não justifique a venalidade de nenhum político, seja ele governante ou não, a verdade é que um povo sem consciência política é facilmente ludibriado e, numa democracia indireta como a nossa, acaba por delegar o seu poder em representantes que, muitas vezes, cuidam apenas dos seus interesses, atropelando ou corrompendo os supremos objetivos para que foram eleitos: governar com inteligência, isenção, honestidade e sentido ético e moral. Uma população, assim, que apenas manifesta e expressa a sua desilusão e o seu descontentamento em surdina e tolera todos os desmandos, apesar de se sentir mal governada, abstendo-se de votar ou alimentando a fatídica e gasta alternância político-partidária, elegendo em cada ato eleitoral os governantes que puniu quatro anos antes, como se os mesmos, passado este interregno, se tivessem reabilitado dos seus vícios, incompetências e limitações, corre o risco permanente de apostar, não em gente competente e séria, mas em mercenários, ineptos e corruptos, dos quais jamais se poderá esperar uma governação eficaz, saudável e sensata.
Todas as semanas, ou quase todas, se destampa mais uma “Caixa de Pandora”. A semana passada, no decorrer da Operação Labirinto, centrada sobre os Vistos Gold, num “pré-julgamento” relâmpago, …coisa nunca vista em Portugal, onde a maior parte dos processos envolvendo “gente de colarinho branco” prescrevem e não dão em nada,… foi colocada uma série de altas figuras da vida pública portuguesa em prisão domiciliária e sob prisão preventiva, nos calabouços da PSP, sem apelo nem agravo.
Poucos dias depois, destampa-se outra e sai dela José Sócrates. A braços com a justiça, alegadamente, por fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção, encontra-se detido em prisão preventiva, a aguardar julgamento. Ainda que muitos desejem firmemente a sua condenação, sem dó nem piedade, a verdade é que o único julgamento a que foi sujeito foi o da opinião pública, e a esse, que o terá assassinado politicamente, já ninguém o poupa. Mas será que o cidadão José Sócrates, porque foi ex-Primeiro Ministro, não tem direito a um julgamento imparcial e justo?
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 em seu artigo XI, 1, dispõe: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.
O sistema judicial nunca correria o risco de sujeitar uma figura mediática como José Sócrates a uma situação de desfiguração pessoal e política tão dramática, acreditamos nós, se não tivesse a certeza plena de que ele “tem mesmo culpas no cartório”. Seria um descalabro total para a cotação dos nossos magistrados e um escândalo ainda maior para a imagem dos tribunais e do próprio Estado português, se viesse a comprovar-se a sua inocência, depois deste tremendo aparato em torno da sua detenção. Todavia, a prisão preventiva de Sócrates causou-nos perplexidade mas, a par disso, a quebra ou violação do segredo de justiça, que em Portugal começa a ser uma doença judicial crónica, preocupa-nos ainda mais. A comunicação social, é claro, aproveitou para fazer um “festival” em torno da prisão do visado. O tratamento conferido a José Sócrates, quer pela justiça quer pelos “media”, tem sido, efetivamente, personalizada e requintadamente humilhante e punitivo, tendo em conta o desvelo “extremoso” concedido a Ricardo Salgado e o moderado grau de punição atribuído, por exemplo, a Isaltino de Morais, a Oliveira e Costa, aos recentes envolvidos no caso dos Vistos Gold e, até agora, a Duarte Lima, também eles considerados como agentes responsáveis por crimes graves de fraude fiscal, branqueamento de capitais, atos de corrupção e uso indevido de dinheiros públicos e privados. Será que a justiça portuguesa dispõe mesmo de dois pesos e duas medidas, como muitos lhe apontam?
A acreditar que os tribunais portugueses poderão, finalmente, vir a garantir uma criteriosa, isenta, justa, imparcial e continuada prática de justiça e que a espada de Dâmocles acabará por cair em cima de ricos e pobres ou de cidadãos comuns e de figuras públicas com o mesmo gume preciso, afiado e célere, a corrupção tem os dias contados e, então sim, talvez venha a reduzir-se a níveis aceitáveis, como dizia a drª Cândida Almeida.
Suspeitamos que, nesta onda de saneamento judicial do país, aparentemente, visando a reabilitação moral da vida política e governativa, dirigida, pela primeira vez, a altos cargos da administração pública e a figuras de grande notoriedade social, viremos a ter mais surpresas.
Mas a que se deverá esta revoada de purificação na “República” que muitos apelidam “das bananas”? A uma consciência renovadora do poder judicial, isento, equitativo e justo, cumprindo escrupulosamente o seu dever, ou a revanches partidárias entre as habituais forças que, alternadamente, assumem o poder, dispostas a arrasar politicamente os adversários mais incómodos e com telhados de vidro mais quebráveis?
Qualquer coisa parece estar a mudar neste Oásis, pelos vistos, menos socrático do que outrora, ou neste jardim imaculado da dr.ª Cândida de Almeida, onde talvez haja mesmo alguma corrupção, e não tão residual como ela apregoava.
Aguardemos pelos próximos episódios.
João Frada
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