sábado, 30 de agosto de 2014

O IMPÉRIO E AS MEMÓRIAS

“A Câmara Municipal de Lisboa tem como projecto, já em fase de lançamento concursal, reabilitar o jardim da Praça do Império, excluindo dessa intervenção alguns brasões por, alegadamente, serem "símbolos do colonialismo", segundo o Senhor Vereador José Sá Fernandes.”  http://www.peticaopublica.com/pview.aspx?pi=BrasoesPracaImperio
D. João III instituiu a Inquisição em Portugal e, deliberadamente, fechou os olhos ao roubo e à perseguição praticados por este tribunal eclesiástico contra os judeus, uma ignomínia legítima e legalmente aprovada pelo mesmo monarca que se cognominava de “Piedoso”.
Séculos mais tarde, Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro Marquês de Pombal, governou com mão de ferro o país e, a par de uma esclarecida visão governativa, capacidade e competência política, fez renascer das cinzas a cidade de Lisboa, depois do violentíssimo Terramoto de 1 de novembro de 1755, mas foi também responsável pelas duríssimas punições a todos aqueles que, apanhados nas malhas do “Processo dos Távoras”, viriam a ser acusados de terem atentado contra a vida do seu rei, D. José I. Centenas de indivíduos, laicos e religiosos, caídos em desgraça política, não escaparam ao ódio do Marquês de Pombal e acabaram por ser condenados à morte através da fogueira, da decapitação e da marretada (que consistia no esmagamento e na fratura dos ossos dos membros e do tórax com pesadas maças). Neste contexto, a Igreja e, sobretudo, os Jesuítas acabariam por sofrer pesados revezes, pela redução dos seus bens patrimoniais e privilégios, chegando mesmo esta Ordem religiosa a ser expulsa não só daqui como de todo o espaço colonial português. 
Salazar e Marcello Caetano até meados dos anos setenta do século passado, conseguiram manter o nosso país sob um regime ditatorial, durante quase quarenta anos, e alimentar uma guerra no Ultramar onde perderam a vida milhares de portugueses e outros tantos ficaram estropiados ou “cacimbados”, conflito este que não serviu rigorosamente para mais nada do que tentar preservar e reabilitar o orgulho pátrio colonial, já que a integridade da soberania portuguesa em África há muito que começara a desmoronar-se. Mas este paradigma, vivido pelas demais nações europeias com interesses coloniais e reforçado na Conferência de Berlim de 1884-85, que conduziria a conflitos armados, desumanidades e atropelos, como o esclavagismo e exploração desenfreada dos recursos naturais dos povos africanos, não foi exclusivo nem de Portugal nem de Salazar. Apenas demorámos mais tempo a mudar o nosso rumo histórico. 
Há que censurar fortemente a memória europeia de expressão colonialista. Comecemos por nós, defende Sá Fernandes, provavelmente, expressando a opinião de outros autarcas que, ao contrário de si, não dão a cara: acabemos com os “brasões de triste memória”. Demos-lhe a importância que eles merecem, condenemo-los à ruina, à incúria, ao desprezo total, lancemos-lhes sal para que feneçam de vez essas vozes caladas do Império, ecos de má memória da Exposição do Mundo Português de 1940.   
A Ponte Salazar, para que ninguém cruze esta construção, também de “má memória”, mandada construir pelo ditador, esta, já era. Agora é a Ponte 25 de Abril, orgulhosamente paga por Salazar e continuadamente paga e repaga à Lusoponte, quer por nós, diretamente, quer pelo Estado, ou seja, novamente por nós, até 2023, de acordo com a última renegociação contratual. 
“Desde a data da sua [primeira] assinatura, o contrato firmado entre o Estado português e a Lusoponte já sofreu oito alterações, sendo que está em curso um novo processo de negociação referente ao novo acordo de reequilíbrio financeiro. (…) “Segundo o Tribunal de Contas, as sucessivas renegociações têm sido manifestamente penalizadoras para o erário público”, mas, pelos vistos, continuam. http://www.esquerda.net/artigo/o-neg%C3%B3cio-de-ouro-da-lusoponte/22351
Ainda bem que se chama “Ponte de 25 de Abril”, um símbolo da Democracia, porque, assim, não será vista com tanto azedume pelos portugueses, em particular, pelos que a utilizam, já que a ser “Ponte de Salazar”, com tanto peso de portagem geracional, que nunca mais alivia, os contribuintes teriam razão para a elegerem como o maior símbolo de “má memória” salazarista.   
Mas, com tanta higiene política exercida pela Câmara de Lisboa, ainda bem que não há nenhuma autoestrada a ligar diretamente Lisboa a Santa Comba Dão, senão apostaria que Sá Fernandes e, eventualmente, outros dignos representantes da Câmara Municipal de Lisboa, ainda que não fechassem o tráfego em definitivo para evitar romarias dos lisboetas à terra natal do tirano, subiriam o preço das portagens de tal ordem que só os saudosistas teriam coragem de se fazerem ao caminho. 
Na perspetiva destes higienistas da Câmara Municipal de Lisboa, esta questão dos brasões e outras de igual “má memória” deveriam ser, todas elas, julgadas pela censura histórica, para que os mais sensíveis não sofram nem reativem traumas históricos, difíceis de sanar. A História deve ser o que se gostaria que fosse e não o que realmente foi. Se não se pode apagar a memória dos velhos, então, ao menos, construa-se com limpeza o hardware neuronial dos jovens, oferecendo-lhes a visão romântica, a visão depurada da História, retirando-lhes os retalhos negros, branqueando-a, para que os vindouros não se traumatizem nem se envergonhem dos defeitos dos seus antepassados e, apenas, se sintam orgulhosos dos seus feitos. Eis a postura destes pseudo-historiadores. 
Historiadores de meia tijela como estes sempre existiram e sempre existirão e, lamentavelmente, corre-se o risco de se escrever a História não como ela foi, mas como se quer que ela seja vista e lida. Esconder ou camuflar a realidade, mentir em vez de dizer verdade, negar o inegável, vestir o negro e o cinzento de cor-de-rosa, todas estas pantominas são executadas com mestria por qualquer político. Esta questão da oposição à “reabilitação dos brasões florais do Jardim da Praça do Império, em Lisboa”, é apenas mais um exemplo dessa visão tacanha e medíocre destes nossos políticos. A não ser que alguns deles ainda sintam no ADN algum trauma de cariz colonialista! É uma das hipóteses a considerar. E se assim for, não queremos governantes, presidentes ou vereadores, com perturbações dessa natureza e então que se lixem os ditos brasões, com carga tão amarga. 
Se estes símbolos são remanescências da raça e do Império, acabe-se-lhes com a raça, já que do Império, agora, só nos restam dívidas e portas abertas para os nossos desempregados.
João Frada

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

2015 – Um Novo Paradigma na Vida Política e na Governação

Austeridade, sacrifícios, solidariedade, paciência, porque, não tarda, dizem os nossos governantes, a começar pelo Primeiro Ministro e a acabar em todos os papagaios que afinam pelo seu tom, baritonado ou não, e seguem fielmente a sua demagógica linha retórica e dialética, tudo vai voltar à normalidade. 
Os deputados da maioria, como seria de esperar, neste “cante” dirigido por dois maestros, todos encostadinhos uns aos outros…e não serão todos alentejanos…nem podiam ser, já que há pantomineiros a mais neste rancho… afinam pelo mesmo diapasão. O país, apregoam todos eles, está no bom caminho, quase tão bem delineado e ainda melhor construído como a A26, estrada que ligaria, mas não liga, Sines a Beja, rumando a Rosal de la Frontera (Espanha). 
A mudança de paradigma aí está: a reposição gradual dos atuais cortes nos salários da função pública é uma realidade imparável a partir de 2015 e a correção total durará cinco anos, garante o Governo. 
Até agora, porém, o défice continua a aumentar, os orçamentos retificativos sucedem-se e nem o PM nem os incompetentes que vão regendo democraticamente os nossos desígnios ponderam em participar neste tremendo esforço que impõem à grande maioria dos portugueses, ou seja, a cerca de 85% da população, senão mais. 
Estarão mesmo decididos a alguma espécie de sacrifício que desconhecemos?! Ou estão confiados que se descubra petróleo ou ouro ou acreditam que serão as exportações a chave para reduzir o défice e a dívida pública do país, entre 2014 e 2015 ?  
Os milhares de milhões que se têm desbaratado em aplicações ruinosas, e são tantas que nem nos atrevemos a elencá-las, bem como em favores a amigos, compadres, afilhados e companheiros mais diletos da mesma seita ou do mesmo clube clânico-partidário, e os despautérios a que todos fecham os olhos, porque jogam todos nos mesmos clubes e irmandades (de golfe, de futebol, de degustação, etc), têm sido os maiores flagelos das finanças públicas. A Banca é só um desses exemplos. Medite-se quantos políticos, deputados, ex-deputados, ex-governantes estão ou estiveram ligados a este setor, onde se movimentam e oferecem lucros fantásticos! 
As ações do BPN falam por si. 
Dez mil milhões tiveram que ser reentregues pelo BES em poucos dias ao Banco Europeu! Esta fração de dez mil milhões foi apenas uma pequena verba dos milhares de milhões autorizados pelo Banco de Portugal ao BES para as suas aplicações, obtidos a juros baixíssimos, podemos dizer “a preço da uva mijona”, os quais, como se viu, serviam para tudo, menos para dinamizar a economia e a sociedade portuguesas.
Nestes últimos anos, as classes média-alta, média e média-baixa, cada vez mais sufocadas pela crise e pela austeridade empobreceram espantosamente e, pelos vistos, este flagelo, é para continuar. Aumentos de salários?! O dinheiro falta, os salários baixam, sobem ligeiramente, para corar a pílula, e voltam a baixar, o IVA aumentou e continuará a subir, a poupança, perante o roubo descarado a reformados e pensionistas, não representa grandes reservas monetárias, porque o custo de vida, perante um poder de compra cada vez mais limitado, consome tudo o que sobra ao fim do mês, depois de garantidas as necessidades básicas de alimentação e alojamento, o comércio vende pouco, porque os consumidores se retraem necessariamente, perante tanta austeridade, o setor industrial nacional (assente na micro, pequena e média empresa), sem adquirentes, não produz e entra em falência, a oferta de emprego diminui, o desemprego aumenta, o retorno tributário proveniente do IVA e do IRC afunda, os descontos para a Segurança Social diminuem e, sem contribuições, este setor, também sobrecarregado com tantos programas de apoio, ameaça colapsar. Bela perspetiva de mudança de paradigma! 
A classe política e os governantes, em particular, altamente solidários com o país e com todos os portugueses em dificuldades, como dizem que são, e há milhões de eleitores politicamente burros que acreditam nesta falácia, nesta narrativa, parafraseando o nosso filósofo Socrático, reduziram ou vão reduzir o quê, vencimentos, número de assessores e adjuntos? Cortaram os tetos nos cartões de crédito, nas subvenções para viagens, alimentação e despesas de representação…sabe-se lá de quê? Reduziram a frota automóvel e os motoristas? Cortaram nos gastos absurdos com pareceres, projetos, consultorias e despesas telefónicas? Pouparam onde? 
Por que é que a redução da despesa pública tem sido, fundamentalmente, à custa de cortes incidindo sempre sobre os mesmos cidadãos (funcionários públicos e pensionistas com normais carreiras contributivas) e não tem procurado atingir o grosso da coluna da despesa do Estado, que corresponde a cerca de 70% desse esforço? Os consumos intermédios, a subvenções, subsidiações e isenções concedidas aos mais diversos agentes públicos e privados, SWAP, PPP, empresas, associações, observatórios e fundações, uns, escandalosos, sugando e esmifrando os poucos recursos do Estado, através de rendas altíssimas, outros, com pouca ou nenhuma utilidade pública, deveriam ser o alvo principal dessa estratégia governamental. Aqui, sim, o Governo teria muita “gordura” para cortar.
O défice e a dívida, entre 2009 e 2014, não têm diminuído. Pelo contrário. Só a nacionalização do BPN, em 2008, terá custado 3 405 milhões de euros ao Estado, ou seja, a todos nós, sobretudo, àqueles que não têm almofadas, nem subvenções, nem compensações de espécie alguma. A partir de 2010, o impacto do BPN sobre as contas públicas começou a revelar o seu efeito nefasto: de 1 803 milhões (1,2% do PIB), nesse mesmo ano, 1 145 milhões de euros em 2011 e cerca de 500 milhões de euros em 2013.
O BPP, outra instituição bancária, acarretou graves prejuízos para Estado. Dissolvido em 15 de Abril de 2010 pelo Banco de Portugal, o BPP, só em 2010 custou 450 milhões de euros aos contribuintes. 
Estamos para ver o que nos custará agora o BES, mas, a adivinhar pelos escândalos que se somam em torno da gestão desta instituição bancária, bem como pela preocupação do Governo em desmontar, satisfatoriamente, esta teia que se estendia, praticamente, a todos os setores da vida nacional, desde a política, à cultura, à saúde e ao desporto, estamos crentes que iremos todos suportar mais este risco sistémico. 
Pobre país, este, quase sem recursos, tão cheio de misérias e mazelas, condenado a ser delapidado por tantos crápulas, pulhas e ladrões, quantas vezes, perante a passividade, indiferença ou miopia de quem nos governa!
Para que melhor se perceba o estado caótico das nossas Economia e Finanças Públicas, vale a pena olharmos para estes dados do Banco de Portugal, colhidos de um artigo de Eugénio Rosa:
“- Entre Dez/2010 e Mar/2014, a divida das Administrações Públicas aumentou de 185.844 milhões € para 258.486 milhões € (em % do PIB, subiu de 107,5% para 155%); 
- A dívida pública, na ótica de Maastritch (que não inclui a totalidade da dívida pública, mas é a considerada pela União Europeia) cresceu de 162.473 milhões € para 220.684 milhões € (em % do PIB passou de 94% para 132,4%); 
- A dívida de Portugal ao estrangeiro (Ativo-Passivo) aumentou de 185.221 milhões € para 205.158 milhões € (em % do PIB, subiu de 107,2% para 121,4%). 
 E ainda há quem prometa e quem acredite que em 2015 tudo começará a voltar à normalidade, os cortes à função pública serão repostos e, em cinco anos, Portugal vai descobrir, finalmente, a luz ao fundo do túnel! 
Quantos falsos profetas! 
Quantos pobres crentes!
João Frada

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

COMEMORAR DESCIDA DA TAXA DE DESEMPREGO com PIROLITO OU COM CHAMPANHE: eis a questão.

“Tínhamos uma taxa de 17,8% e neste momento estamos nos 13,9%, é evidente que está a melhorar”, afirmou o jornalista, sublinhando, todavia, que “a situação é péssima” pois “tudo o que seja desemprego acima de 5% é grave”. Não dá para grandes festas e seguramente estes resultados não de devem apenas à ação do Governo, diz Miguel Sousa Tavares.
Miguel Sousa Tavares, arguto como é para tanta análise, desta vez, limita-se a apontar dados do INE e a aplaudir, com algumas cautelas, de uma forma que poderíamos classificar de politicamente correta, com convicção ou sem ela, que o desemprego está a baixar. O que ele não se atreveu a especular, e apostaríamos que terá pensado nisso, é se a taxa de emprego aumentou, reduzindo a péssima situação do desemprego em que nos encontrávamos, igual a 17,8%, à custa de emprego sazonal e temporário desta época de Verão, ou se é e foi a Economia estruturante do país que, finalmente, por artes mágicas, deu o primeiro salto em frente, arrancando da letargia pantanosa em que se tem vindo a afundar, estes últimos anos. Esperemos pelas estatísticas do próximo e último trimestre de 2014 e não nos entusiasmemos com grandes aplausos antes do tempo, nem ousemos abrir garrafas de champanhe para comemorar o que ainda cheira e lembra féretro: desemprego, crise e austeridade. Só à nossa conta, conhecemos uma boa dúzia de licenciados que, ainda não tendo resolvido sair do país, tiveram a sorte de conseguir emprego precário, com horário reduzido, e pelo trabalho de estiva que executam, carregando caixotes e assumindo o serviço de limpeza, entre outras funções, recebem miseráveis remunerações, bem abaixo dos rendimentos mínimos de inserção concedidos a muitos parasitas que vegetam por este país afora, e, é claro, como era de esperar, não se inscreveram nos Centros de Emprego. 
Será que a miserável taxa de desemprego de 17,8% baixou mesmo e estes 13,9% constituem uma amostra objetiva, coerente com a real situação do país, de melhoria socioeconómica, ou tudo não passa de uma ilusão temporária e não merece sequer que se abra um pirolito, quanto mais champanhe para comemorar?!

João Frada