quarta-feira, 14 de maio de 2014

“É preciso tempo para que a sociedade e o Estado acabem com a imoralidade”

Santana Lopes – Correio da Manhã

Imoralidade, onde? 
Na Ucrânia, na Nigéria, na Síria? 
A que Estado se referia Santana Lopes? Ao nosso país?!
Aceitar esta realidade, de que em Portugal há imoralidade, supostamente, contagiando todos os níveis da sociedade, parece-nos surreal. Liminarmente, não acreditamos que haja imoralidade ou que, havendo, ela seja tão lesiva e preocupante que a sociedade portuguesa, e muito menos o Estado, sob a administração de gente íntegra, séria, honesta, isenta, incorruptível, humanista, altruísta, justa, trabalhadora e insuscetível a vícios e venalidades, precise de se agastar ou incomodar, minimamente, com um problema que não passa de um “não-assunto”. 
As imoralidades podem assumir muitas facetas e a corrupção é apenas uma delas. Mas se esta forma de imoralidade, em 2009, constituía, por exemplo, para Cândida Almeida uma séria possibilidade a não descurar e a investigar, já que, na sua opinião, “onde há poder, há corrupção”    http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1182233, a mesma Procuradora-geral Adjunta, três anos depois, chega, graças a Deus, a uma brilhante conclusão: "Portugal não é um país corrupto" e (…) existe uma "perceção" exagerada da dimensão deste crime (…), sublinhando, ainda, que o nosso país “é dos poucos Estados europeus onde se investigam "grandes negócios do Estado". (…) Afirma ainda que "Os nossos políticos não são políticos corruptos, os nossos dirigentes não são dirigentes corruptos”. http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=2747488    
Fiquemos todos descansados. Podem abundar imoralidades, mas esta, a corrupção, caros concidadãos, não constitui qualquer risco para as nossas vidas. 
Agora, é Santana Lopes que está preocupado com “imoralidades”. Não sabemos quais, mas, pelas suas palavras, parece-nos estar seriamente virado e solidário para o combate da imoralidade. 
Durante o seu reinado de curta duração, enquanto Primeiro-Ministro, velando atentamente pela salvaguarda da justiça e da moral, a sua atuação política foi praticamente exemplar, se excetuarmos, apenas, aquele seu deslize de gestão do famigerado Parque da Feira Popular de Lisboa. Extinguindo-a, como extinguiu, desativando à volta de duzentos estabelecimentos que ali operavam, lançou na miséria e no desemprego cerca de mil pessoas, 90% das quais, jamais viriam a conseguir refazer as suas vidas. Quanto a indemnizações compensatórias, elas não atingiriam nem metade do montante calculado e exigido pelos comerciantes que ali trabalharam, alguns durante quatro décadas, entre 1961 e 2003. 
Excetuando, pois, este insignificante momento de distração na luta contra imoralidades, Santana Lopes deve ser considerado um paladino da moralidade, e aí o temos em força, talvez por lhe pesar a consciência aquele facto ou por estar, nesta altura mais sensível aos dramas humanos, dadas as suas atuais funções de Provedor da Santa Casa da Misericórdia, focado no problema da “imoralidade”, mazela que, na sua ótica, leva tempo a sarar mas que terá de ser atalhada pela sociedade e pelo Estado. 
Mas, já agora, onde vê ou em quem vê ele tanta imoralidade? A quem é que aponta o dedo? 
É que, à falta de uma melhor explicação, identificação ou localização desta péssima qualidade, que refere, critica e, implicitamente, reconhece como algo a banir, Santana Lopes corre o risco de lhe perguntarem se foi frente ao espelho que emitiu tal opinião: 
“É preciso tempo para que a sociedade e o Estado acabem com a imoralidade”.

João Frada

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