sábado, 23 de novembro de 2013

ALERTA AO SENHOR MINISTRO DA SAÚDE


Ministério da Saúde controla uso dos antibióticos
Paula Rebelo/ David Araújo/ Virgílio Matos 28 Set, 2013, 14:48 

“Os médicos que abusarem da prescrição de antibióticos vão ser penalizados. O Ministro da Saúde confirmou a criação de equipas de vigilância nos hospitais para controlar o uso abusivo desses medicamentos. No Porto, Paulo Macedo anunciou um milhão de vacinas contra a gripe gratuitas para grupos de risco”.
Esta medida, na sua essência é correta. Todavia, o problema do uso indiscriminado ou abusivo a que se referem os responsáveis da saúde em Portugal, não é tão simples assim de “desmontar”. Muitos médicos, como se provam pelos dados recolhidos a partir da análise do receituário, na opinião dos avisados governantes, prescrevem antibióticos por “dá cá aquela palha”. As razões subjacentes a tal fenómeno são múltiplas, mas atrevemo-nos a apontar as principais e, ao mesmo tempo, a chamar a atenção ao Senhor Ministro da Saúde, bem como aos seus avisados conselheiros, quer para a complexidade quer para as incongruências do próprio Sistema de Saúde, na nossa opinião, determinantes do dito uso abusivo de antibióticos.
- Começaríamos por apontar a maior falha do Sistema Nacional de Saúde, tal como ele está atualmente: Para evitar antibióticos, seria melhor apostar-se em vacinoterapia, seja ela específica ou inespecífica. Ora, algumas das importantes vacinas que poderão fazer a diferença na reconversão do processo de prescrição, considerado como abusivo, de antibióticos, não estão ao alcance da maior parte das famílias portuguesas, porque são caríssimas e não são minimamente comparticipadas pelo Estado. A título de exemplo, citamos a vacina antipneumocócica, disponível no mercado quer na sua forma infantil quer na de adulto, com custos atuais entre os 60 e os 65 euros cada embalagem.
Para a população pediátrica, por exemplo, considerada a faixa etária mais frágil e suscetível quando exposta a esta bactéria virulenta, especialmente responsável pela habitual morbilidade pós-gripal (meningites, pneumonias, amigdalites, faringites e otites), a vacina antipneumocócica 13-valente confere proteção contra os 13 serotipos mais agressivos deste microrganismo. Ninguém da classe médica tem dúvidas disto. Mas o Ministério tarda em a conceder grátis ou em beneficiar os seus utentes com alguma comparticipação minimizadora dos encargos familiares. Mais irónico, senão mesmo cínico, é o facto de nos novos Boletins de Vacinas distribuídos a cada criança pelos Centros de Saúde constar uma rubrica alusiva à dita vacina antipneumocócica. Parece, pois, ser considerada fundamental pelo próprio Ministério e deverá aplicar-se em três ou quatro doses, sem contar com o reforço catch-up dos cinco anos. Mas não faz parte do plano nacional de vacinação. Façamos contas e verifiquemos quanto custa a cada família, por criança, o respetivo programa completo.
Vamos ver quanto vai custar ao Ministério da Saúde a campanha de ensino do uso ou não uso de antibióticos!
- As atuais unidades de saúde a que recorrem os portugueses, sejam elas centros de saúde ou hospitais públicos ou privados, todas elas deverão ser geridas tendo em conta, cada vez mais, objetivos economicistas que traduzam, naturalmente, bons índices de desempenho e, no caso das últimas, também lucrativos. Com exceção das crianças e dos pacientes idosos, estes últimos psicologicamente mais dependentes do apoio médico e farmacológico, os indivíduos na idade profissional ativa recorrem, normalmente e apenas, a estas unidades sempre que o seu estado de saúde se encontra comprometido. Tendo em conta que o absentismo ao trabalho, mesmo por doença, tem hoje mais do que nunca, face às leis e exigências laborais, reflexos sérios sobre os magros proventos auferidos no fim do mês, estes pacientes não se podem dar ao luxo de curar um quadro gripal deixando-se ficar no domicílio entregues apenas ao “avinha-te, abifa-te e abafa-te” (chazinhos, com um ou dois dedais de conhaque, caldos proteicos de galinha, suadoiros e, eventualmente, antipiréticos). As patologias altas e baixas do aparelho respiratório e, em particular, a gripe, bem como as complicações respiratórias que quase sempre a acompanham são, ainda hoje, as causas mais frequentes da ida ao médico. Para quem vive mal, deprimido ou em stress permanente (condição a que a maioria da população não consegue fugir, agredida pela maldita crise económica que o país atravessa) e se alimenta pior, porque não beneficia de subsídios de alimentação ou não tem possibilidades de sonhar com fartas e lautas refeições, a fome parcial, ou seja a subnutrição proteica e vitamínica, é o estado fisiológico habitual. Ora, Senhor Ministro, a fome acompanha-se sempre, sempre, de imunodepressão e de doença subsequente. Mas até acreditamos que entre gente de casta superior como aquela a que Vossa Excelência e outros governantes pertencem nem se apercebam destas coisas comezinhas e insignificantes. Há até quem defenda que aumentar o salário mínimo é “ estragar a vida aos pobres” e que a “a maior parte dos pensionistas estão a fingir que são pobres” (João César das Neves – economista e ex-assessor de Cavaco Silva). Aludirmos aqui a esta teoria idiota, a priori, poderá parecer despropositado, mas, na verdade, ela traduz a opinião mais do que convicta da governação a que o Senhor Ministro pertence, ainda que, no fundo, bem lá no fundo, enquanto alto dirigente da saúde em Portugal Vossa Excelência possa sentir o drama da real situação económica de grande parte das famílias portuguesas, afogadas na austeridade e sem recursos para lhe fazerem frente, dotadas apenas do dito salário mínimo. Por isso, perguntamo-nos aqui se o distinto economista, João César das Neves, dispõe de dados estatísticos para justificar o que diz sobre os tais pensionistas que considera fingidos e se ele próprio entende ou acredita que o salário mínimo a que se refere lhe chegaria, a ele, para encher a barriga condignamente durante um mês. Será que as suas convicções (de César das Neves), aquelas pelas quais Carlos Paz  se atreve a mandá-lo, e muito bem, a um lugar bastante mal cheiroso (Carlos Paz – Carta Aberta a um Mentecapto (João César das Neves) https://www.facebook.com/carlos.paz.756/posts/700844983261907) foram estabelecidas com base em sondagens e análise estatística de amostras de população residente no condomínio onde vive ou no bairro onde faz as compras ao fim de semana?!  Já nem nos atrevemos a perguntar-lhe se o dito salário mínimo, que considera um montante mais do que suficiente para a sobrevivência condigna seja de quem for, lhe chegaria para alimentar mais alguém a seu encargo!
A acreditarmos que o Senhor Ministro se pauta pela mesma medida, de manter o salário mínimo onde ele está, para que não surjam imediatas convicções de luxo, de riqueza e de perdularismo na cabeça dos assalariados, percebemos porque é que está preocupado com o uso abusivo dos antibióticos, os quais, afinal de contas, mesmo genéricos e comparticipados, acabam por pesar na balança da saúde. Tendo em conta a sua mística cruzada socio-cifrónica dentro do Ministério que dirige, e aplaudimos sem ironia algumas das suas estratégias, temos muita curiosidade em saber como é que as equipas de especialistas em antibióticos vão poder resolver este imbróglio do uso e abuso destes fármacos. De resto, até achamos algo paradoxal o título do projeto sanitário, porventura, criado como marca perene da passagem do Senhor Ministro por esta área: “Como usar corretamente antibióticos”.
Não seria melhor, Senhor Ministro, ter pensado num título slogânico mais adequado às reais conveniências da saúde, designando-o de: “Como não usar antibióticos”. Seria, quanto a nós, bem mais dissuasor. Mas, enfim, esta nossa sugestão não passa de uma questão semântica, porque, de facto, sempre se continuarão a prescrever e a usar antibióticos nas situações que o justifiquem.
- Perante o número cada vez menor de técnicos, médicos e enfermeiros, que compõem as equipas de saúde, e o volume de consultas diárias solicitadas/impostas aos mesmos técnicos, como resposta aos objetivos economicistas e de rentabilidade institucional exigidos pelo próprio Ministério, o tempo disponível para cada utente é de alguns escassos minutos. Vossa Excelência, inclusive, sonha desde há muito com o trabalho médico feito e pago à peça e considera que o número de consultas despachadas por hora e não a sua qualidade é que constitui a prioridade número do seu Ministério. O doente, entretanto, contrariamente ao que se possa pensar, não pode nem quer sujeitar-se a perder dias de trabalho, isolado no domicílio, face à imediata e lesiva repercussão no seu magro salário, para se recompor calmamente de uma gripe ou de uma complicação respiratória secundária, recorrendo apenas a mezinhas ou às medidas simples,… e sem antibióticos…, do “avinha-te, abifa-te e abafa-te”. O médico prescreve-lhe antibióticos para obviar o curso da doença e, quando não o faz, é o próprio utente que o exige. Alguns dias de ausência no trabalho pode ser um salário mínimo ainda mais baixo ou mesmo, em alguns casos, a rescisão do contrato e “um pé no olho da rua”, porque compromete o desempenho do cargo que executa e não atinge ou põe em causa os superiores e incontornáveis objetivos da empresa. Não é fácil ficar doente e, por vezes, a tentação do antibiótico fala mais alto.
Ora, nestas circunstâncias socioeconómicas e sanitárias e sem deixar de ter em conta a precaridade alimentar e os estados de imunodepressão que ela acarreta, e não precisamos de confirmação estatística como a que se deveria exigir a João César das Neves para confirmar a sua tese (“o aumento do salário mínimo estraga a vida aos pobres”), o que se deveria então fazer para não usar e abusar de antibióticos?!
Simples:
- Alimentar melhor a população, educando-a nesse sentido e, como é óbvio, garantindo-lhe também mais rendimentos para tal. Porque a alimentação equilibrada (assente na qualidade, quantidade, adequação e harmonia) é cara. Ou o Senhor Ministro, porque ganha bem acima do salário mínimo e come bem e fartamente, desconhece o custo de vida em Portugal e quanto representa essa fatia em termos de despesa mensal para qualquer vulgar cidadão de poucos recursos? Cremos que não.
- Depois, o não uso de antibióticos, Senhor Ministro e caros especialistas convidados a participarem neste programa nacional de educação clínica, supostamente experts na prescrição destes fármacos, deveria passar, não apenas pela preocupação de orientar os médicos prescritores no âmbito da Terapêutica Curativa, mas também  pela aposta na Terapêutica Preventiva. Assim, este seu projeto deveria, isso sim, centrar-se na orientação e aconselhamento da classe médica sobre o Não Uso de Antibióticos, através das necessárias estratégias de formação no domínio da Prevenção, apostando na difusão e no ensino das normas, regras e conselhos ligados à higiene respiratória (evicção alergénica), tendo em conta que muitos dos indivíduos a quem é prescrito o antibiótico sofre frequentemente de patologia respiratória de etiologia atópica e, ao mesmo tempo, possibilitar ao doente o acesso comparticipado aos diversos fármacos e, em especial, às vacinas disponíveis para prevenir tais situações. Curiosamente, este ano de 2013, até as vacinas antigripe anunciadas como dádiva grátis em todos os centros de saúde do país não têm estado disponíveis em farmácias nem nestas instituições de saúde pública. E depois, Senhor Ministro da Saúde, Vossa Excelência não quer que os quadros virais derrapem em patologias bacterianas e em antibioterapia subsequente?!
Mas, o Senhor Ministro, porque alguém lhe disse que se usa e abusa de antibióticos, e teve razão, esqueceu-se de outros tantos “pequenos pormenores”:
- Consignar mais “tempo de antena” ao médico para uma boa anamnese, um melhor exame objetivo e uma adequada orientação terapêutica, quer no domínio dos conselhos higiénicos, quer no uso dos fármacos prescritos.
- Exigir cursos de formação na área da higiene respiratória, da infeciologia e, sobretudo, da alergologia a toda a classe médica e, em particular, àqueles clínicos que, comprovadamente, têm usado e abusado de antibióticos, segundo os dados oficiais recolhidos.
- Garantir que todas as vacinas disponíveis no mercado, orais ou injetáveis, como é óbvio, com ação profilática mais do que comprovada, quer por ensaio experimental quer por evidência clínica, sejam fornecidas grátis à população ou, no mínimo, razoavelmente comparticipadas, o que não se verifica desde há muito, por forma a prevenir as doenças mais comuns e, desta forma, reduzir o uso de antibióticos.
Quem está no terreno como nós e, ao longo de décadas, consegue que milhares de crianças, recorrentemente agredidas por antibioterapia, tenham deixado de usar estes fármacos ou nem sequer os tenham nunca tomado, apenas pelo recurso aos cuidados exaustivos de higiene respiratória (medidas de evicção alergénica), à reconversão e ao reforço do seu sistema imunitário com vacinas e fármacos apropriados, sabe do que estamos a falar. Mas a maior parte destes recursos terapêuticos, desde há muito, não têm a menor comparticipação e pesam bastante nas magras bolsas das famílias. São estas, as pobres famílias com pouco mais do que o salário mínimo, que têm de desembolsar os custos totais destes protocolos para que os seus filhos possam ver-se livres ou quase do uso de antibióticos. E ficam mesmo, acredite, Senhor Ministro, sem passes de mágica, de hipnose ou de milagres por intercessão divina. Só recorrendo a simples procedimentos hipocráticos e ao uso de fármacos, não antibióticos, de farmácia alopática. O problema é saber quais e como aplicá-los com critério e eficácia e isso, Senhor Ministro, não me parece que as suas equipas o venham a conseguir tão depressa, nessa urgente e árdua tarefa por todo o país, especialmente, quando confrontados com todas as impossibilidades que apontamos. A menos que muita coisa mude e isso acarreta-lhe despesas com reflexos sobre o malfadado défice. Por isso, suspeitamos que a sua cruzada não passará de uma montanha a parir um rato.  
Será que o Senhor Ministro, em vez de se concentrar na escolha das tais equipas de experts em antibióticos, destinadas a fiscalizar por este país afora o receituário médico, (re)ensinando os clínicos negligentes a prescreverem corretamente estes fármacos e limitando o risco de infeções super-resistentes decorrente da utilização abusiva de alguns deles, tarefa esta que, dada a superior formação dos “mestres” convidados, vai sair bem cara a todos  nós, contribuintes voluntários e involuntários do sistema,  não quer antes atinar sobre os nossos humildes conselhos ou solicitar a alguém mais avisado nesta matéria que o faça em sua representação?  Muitos irão ser os médicos penalizados, acreditamos, mas, salvo melhor opinião, não será desta forma que o Ministério da Saúde irá pôr termo ao uso considerado abusivo de antibióticos. É bem mais simples, a solução do problema.
Se não víssemos tantos incompetentes à frente da governação,  boyjobs pagos a peso de ouro que pouco ou nada fazem a não ser afundar a Fazenda Pública com gestão danosa e perdulária, sem qualquer penalização ou responsabilidade criminal pelos seus atos, ficaríamos tentados a oferecer os nossos préstimos pro bono ao Senhor Ministro dando-lhe/ensinando-lhe a solução que [ele] precisa para resolver este problema do uso excessivo de antibióticos, com maior detalhe. Ah, e faríamos acompanhar a “chave do busílis” do necessário suporte estatístico, como convém.
Entendemos que as nossas sugestões, mesmo enquanto orientações gerais, poderiam ser úteis se fossem objeto de reflexão de alguém mais entendido nestas matérias de medicina preventiva. Usar-se-iam, seguramente, menos antibióticos.
Senhor Ministro, ainda que o ceticismo prevaleça, e muito bem, como atitude cautelar subjacente às criteriosas decisões de Vossa Excelência, face à conjuntura sociológico-política que se atravessa, solicite, pelo menos, a alguém de “olho clínico” mais apurado que se concentre nos avisados sinais que aqui deixamos. Creia que não aparecem todos os dias Bons Samaritanos como nós, humildes e dedicados cultores da nobre Arte Hipocrática, dispostos a tais préstimos.

João Frada
Médico/Professor Universitário

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