Num país de ficção, onde cerca de 10 milhões de camelos vagueiam em busca, não de oásis, que desapareceram há muito perto do mar, longe do mar, no norte, no sul, no centro, mas de catos, de arbustos rasteiros, de erva rala, restos que sobram da fartura de outros tempos, nessa jornada sem futuro nem meta de chegada, quantos vão ficando pelo caminho, trôpegos e desgastados pela marcha cada dia mais penosa, envelhecidos pela idade e sem fim à vista, uma verdadeira cáfila condenada à anomia e ao extermínio, porque os mais capazes e prolifícos vão rumando a outras paragens fora de portas, amarrando-se definitivamente a outros espaços e a outras rotas mais aliciantes, e os que por cá ficaram, pasto de feras esfomeadas que os rondam dia e noite, não têm tempo nem condições para renovar a espécie, nada que lhes garanta o mínimo de segurança, alimentação e saúde, nem para si nem para outros camelos, seus vindouros.
Milhares de camelos, machos e fêmeas, instruíam, educavam e preparavam os mais novos para as longas jornadas dentro e fora dos desertos, mas os cameleiros, cada vez mais ausentes das suas funções, corrompidos pela usura e pela ganância, bem diferentes dos cameleiros de outros tempos, pouco se ralam em renovar a cáfila…e os pastos garantidos a quem já não tem dentes nem para ruminar e as múltiplas missões traçadas e ensinadas aos mais jovens estão destinados a perder-se, definitivamente, nos desertos da memória. No meio de tantos cameleiros, que de tanto lidar com camelos viraram, não camelos, pasme-se, mas burros no sentido popular do termo, ainda houve um “iluminado”, crente nos oásis, que ponderou premiar o nascimento de camelos, mas ficou-se por aí. Não passou de uma efémera intenção. Os burros que se lhe seguiram preocupam-se com outros défices, não com a manada; essa, ainda que reduzida, serve os seus propósitos.
Um país sem horizontes, com milhões de camelos envelhecidos, cansados de ser albardados, chicoteados, sangrados e vendidos, e sem camelos novos para troca de montadas, é uma pobre “caravana” condenada à extinção.
João Frada
Professor Universitário
Lisboa, 16.08.13
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