Ontem desfolhei-te,
apressado, entre o possível e o impossível.
Mas não te soube ler,
crente na minha lucidez,
na minha percepção inteligente,
na lógica provável, previsível.
Perspectivei-te
entre o legível e o ilegível,
como se as tuas ideias, todas,
desaguassem num estuário aberto e navegável.
E nada pude ver.
Nem águas, nem margens, nem foz
desse rio que inunda a tua mente.
Entrei em ti.
Mas não vislumbrei nenhum dos teus sentidos.
Não franqueei
a tua dor por dentro das palavras.
Não senti
a solidão nas tuas pálpebras cerradas.
Não pressenti
o teu mundo utópico, irreal.
Não percebi
a ironia dos teus versos delicados.
Não comunguei
do teu sofrimento transbordante.
Não avaliei
a força dos teus gritos sufocados.
Não distingui
nem suplício nem tortura.
Não vi teu desespero impaciente.
Hoje,
alienado e escravo da dor e da loucura,
pude compreender-te, finalmente.
João Frada, Olhos nos Olhos da Alma, Edições CLINFONTUR
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