Dilma Rousseff: vícios e sismos da política brasileira
Na sequência da última crónica
sobre Dilma Rousseff e os 107.000 comissionados, uma das múltiplas gotas a
fazer transbordar o copo de água da sociedade brasileira, centramo-nos agora
sobre os gigantescos e constantes protestos de contestação à sua gestão
presidencial, por todo o Brasil, manifestações estas cada vez mais difíceis de
aquietar.
Já antes e durante a
preparação e realização da COPA do Mundo, pudemos assistir a uma onda imensa de
protestos, alguns deles marcados pela fúria e violência da população que,
apesar da acção policial dura e enérgica, destruiu e vandalizou lojas e bens e
pôs em risco a segurança das ruas em múltiplas cidades do Brasil. Dilma
Rousseff, bem como grande parte dos que constituem o seu governo, de marca
trabalhista, sentindo-se insegura e, certamente, de consciência pouco
tranquila, deverão ter reflectido sobre a gravidade desta maré viva social tão
agressiva, e não tardaram as promessas anestésicas, para acalmar os ânimos.
Nada que qualquer político “escovado” e astuto não domine: técnicas eficazes de
hipno-acalmia, ainda que temporária, dos ânimos dos seus concidadãos mais
descontentes. Com os Jogos Olímpicos, agora à porta, agendados para agosto de 2016,
o povo vai assistindo a investimentos vultuosos para a sua preparação logística
e, como é óbvio, a outras tantas sangrias do erário público, como aconteceu com
a COPA, altamente desgastantes dos recursos de Estado, os quais deveriam, isso
sim, ser aplicados e bem geridos no desenvolvimento social e económico do país,
na criação de emprego para todos, no acesso à educação e no direito a uma saúde
pública de qualidade.
Os casos de alegadas práticas
de fraude, corrupção, desvio e lavagem de dinheiro da Petrobras, envolvendo
altos dirigentes de obras desta empresa, e de outros órgãos públicos, investigados
pela policial “Operação Lava Jato”, ao que parece, sob a sua anuência e inércia
governamental, bem como outros negócios ruinosos realizados por elementos do
seu governo, constituíram e constituem, nesta altura, pedras muito incómodas colocadas,
por Dilma Rousseff, dentro dos sapatos, sandálias e alpercatas de grande parte
da população brasileira. E não são apenas os “comissionados” (jobs for the
boys) que, integrados em regime temporário nos serviços de apoio logístico e
organizativo destes grandiosos, mas, também onerosos eventos, vieram pra ficar
efetivos, para sempre, na função pública, obrigando o Estado a suportar
encargos bem pesados e depauperantes da Fazenda Pública. É o somatório de uma
multitude de acções governativas insensatas e pouco rigorosas que fazem
estremecer a economia do Brasil e, pelos vistos, quais abalos sísmicos, vão
também fazendo oscilar a presença de Dilma Rousseff e do seu séquito governamental
mais privilegiado no cimo da altíssima pirâmide demográfica de cerca de 202
milhões de habitantes, grande parte deles, vivendo em condições económicas e
sociais muito complicadas. A economia neoliberal facilitada por Dilma Roussseff
e pelo seu governo não tem beneficiado, minimamente, as condições de vida dos
trabalhadores brasileiros, os quais, perante os salários baixos que recebem, a
tendencial elevação do custo de vida e as constantes sobrecargas tributárias,
sentem-se ameaçados e unem-se, agora, por todo o país, gerando uma onda tsunami
de protestos, greves e exigências de “Dilma impecheament” que, pelo andar da
maré, não sabemos onde, nem como vai acabar.
“Crise hídrica, eléctrica, aumentos de tarifas escorchantes [cargas
tributárias exorbitantes], elevação de
juros, desaceleração económica e desemprego que já bate à porta. Escândalos de
uma corrupção monumental em torno à mais simbólica das empresas públicas
brasileiras. Governo de joelhos, frente a um Congresso envolvido nas denúncias
de corrupção, comandado pelo histórico partido do toma-lá-dá-cá, o PMDB [Partido
do Movimento Democrático Brasileiro], e
frente a uma agenda económica conservadora. População dividida entre
postulações maniqueístas, conduzidas, em um dos polos, pelo que há de mais
conservador, retrógrado, tendenciosa e fascista em nossa direita e mídia
corporativa; e no polo oposto, por um governismo ingénuo, envergonhado ou
simplesmente hipócrita.”
[Valéria Nader e Gabriel Brito
– Falência do PT gera instabilidade política. Correio da Cidadania. 16
de março de 2015 – (http:/www.correiocidadania.com.br/índex.php?option=com_content&view=article&id=10596:manchete160315&catid=25:politica&Itemid=47)]
Os Olímpicos, tal como a COPA,
promovidos no Brasil, foram e são apenas um pretexto para expressar esse
descontentamento, todavia, os gastos com estas realizações não são de somenos
importância para os cofres de Estado de nenhum país. Projeta a imagem de um
povo e da sua cultura, movimenta e pode gerar riqueza entre privados, mas
quanto a ser uma aposta lucrativa para o Estado, essa é sempre a grande dúvida.
Movem-se muitos interesses, a corrupção anda de mãos dadas com os
mega-investimentos de qualquer governo, seja na construção de uma qualquer obra
faraónica, ponte ou auto-estrada, compra de submarinos ou organização de
grandes eventos desportivos. Resta, pois, saber se os elevadíssimos investimentos
públicos nestas tão grandiosas manifestações desportivas geram ou gerarão dividendos
e resultados de retorno que compensem e justifiquem a sua realização!
Se compararmos com o que
sucedeu entre nós, com os resultados da Expo 98, talvez compreendamos melhor
esta realidade.
A holding criada pelo Estado
português, em 1993, para assegurar a construção e realização da Expo 98 e para
continuar a proceder à reconversão do Parque das Nações, onde se realizou
aquele evento, devia aos bancos, segundo notícia de agosto de 2011, qualquer
coisa como 224 milhões de euros, o que representava um encargo de juros anuais
a pagar pelo Estado, ou seja, por todos os portugueses, da ordem dos 5 milhões
de euros. Segundo o relatório de contas de 2010, esta holding apresentava um
saldo negativo rondando os 40 milhões de euros.
Desvios, fraudes, derrapagens
de obras com orçamentos, viciosa e propositadamente, mal elaborados, alguns,
provavelmente, com vista a beneficiar terceiros, a par de estudos económicos
deficientemente estabelecidos, ainda que bem pagos aos seus executores, quais
as causas de tanto prejuízo?
O ministério atual de Assunção Cristas, atento
a tal descalabro, através de uma cuidadosa gestão deste dossier, herança
ruinosa de governos anteriores, espera poder abater esta tremenda dívida
acumulada e tem procedido a medidas eficazes nesse sentido.
(http://www.tvi24.iol.pt/economia/expo-98/parque-expo-as-empresas-os-negocios-e-o-prejuizo)
– notícia de 19.08.2011
Mas se restassem dúvidas em
relação ao impacto negativo deste último evento nas nossas contas, o EURO 2004
em Portugal foi mais uma tremenda machadada nas finanças públicas, já de si tão
magras. Ter-se-á gasto, à conta do Estado, em reformas dos estádios existentes
e na construção de outros (em Leiria, Aveiro, Faro, Coimbra, Braga e
Guimarães), cerca de 1,1 mil milhões de euros. Os custos de manutenção
posterior destas megaconstruções, constatados ainda nos nossos dias, custam aos
respectivos municípios milhões de euros anuais. Augusto Mateus, ex-ministro da
Economia, em julho de 2010, chegou mesmo a sugerir a demolição de alguns deles,
em particular, o de Aveiro, como forma de saneamento de despesas públicas.
A ter em conta os lucros que o
Estado português auferiu com a realização da EXPO 98 e com o EURO 2004, acreditamos
que o Brasil, no meio de tanta mazela governativa, e a uma outra escala, bem
entendido, não tenha assistido, nem venha a assistir, a “milagres de
transformação de milhões em biliões de reais”, durante a COPA e não vá, de
novo, observar esse milagre durante os Olímpicos daqui a um ano, em agosto de
2016.
E Dilma Rousseff, no meio de
tantos abalos sísmico-sociais, que se cuide.
Calendas Semânticas 2000
João Frada
Professor Universitário (Ph.D.) da FML
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