Afinal, quem são os culpados da crise?
Vitor Bento foi “um dos primeiros (se não mesmo o primeiro) a afirmar que os portugueses estão a viver muito acima das suas possibilidades, um dos poucos defensores da TSU que não chegou a ver a luz do dia em Setembro de 2012, [e um] opositor acérrimo a qualquer ideia de reestruturação da dívida.”
(http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/2014/07/vem-ai-outro-vitor.html
Aparentemente influenciado pela mesma escola filosófica, João César das Neves partilha também da mesma opinião. Na sua ótica, os trabalhadores não diferenciados das classes baixas não devem ser aumentados, porque isso conduz, irremediavelmente, a vícios e exageros e acaba por gerar mais desequilíbrio social, económico e financeiro. A análise brilhante deste economista ficou registado nesta frase lapidar:
Aumentar o salário mínimo “é estragar a vida aos pobres”.
(http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=3537583)
Seguramente, para Vitor Bento, João César das Neves e todos os aqueles que se identificam com o Liberalismo, na sua concepção mais pura e radical (Malthusianismo), há que limitar direitos e meios aos mais pobres, os eternos agentes desestabilizadores da sociedade. E, claro, cerceando-lhes as capacidades a todos os níveis, incluindo o acesso à qualificação profissional, desmotivando-os a apostarem na formação académica e convidando os mais jovens a emigrarem, cumprem-se, definitivamente e na perfeição, os elevados ideais da corrente filosófica concebida por Thomas Malthus (1766-1834): “O Estado [deve ou]devia limitar-se a proteger os mais ricos, recusando quaisquer direitos aos pobres. O único conselho que lhes dá é que não se reproduzam.”
Em Portugal, como os mais jovens, prolíficos por natureza, emigraram e continuam a sair do país em larga escala e os que cá decidiram ficar não têm, como se sabe, quaisquer estímulos à natalidade (paga-se tudo: leites, farinhas lácteas, produtos de higiene, vitaminas, xaropes, vacinas orais e injetáveis, alguns broncodilatadores, mesmo não sendo associações medicamentosas, acesso a estruturas de apoio escolar e educacional, etc., para além de se desencorajarem mulheres trabalhadoras a evitar a gravidez, de modo a que tal condição não colida ou ponha em causa os “elevados objetivos empresariais”, sob pena de perderem emprego ou nem sequer terem acesso ao trabalho se apostarem no “projeto da maternidade”, a natalidade encolheu drasticamente.
Tendo em conta os dados do Eurostat, Portugal foi o país da EU com pior taxa de natalidade em 2013.
Segundo o “Documento de Estratégia Orçamental (DEO) do Governo, apresentado a 30 de abril 2014, em 2015 a TSU passa para 11.2%, aumentando em 0,2% a contribuição dos trabalhadores para a Segurança Social.”
(http://www.economias.pt/taxa-social-unica/)
A TSU passa de 11 para 11,2%. Decisão acertada da governação e dos seus ideólogos.
O rendimento dos trabalhadores, que integram cerca de 85% da grande maioria da população (classes baixa, média-baixa e média), como é demasiado chorudo e bem almofadado de subvenções, mordomias e gorduras de toda a espécie, tem que ser reajustado com mais uma taxa de 0,2 %, a fim de que não haja tentações e estes perdulários se limitem a viver de acordo com as suas possibilidades, até aqui, descontroladas, imponderadas e geradoras de uma crise que lançou o país num caos de défice e de dívida. Resta saber se os restantes 15%, os que mais podem e sempre puderam, e, dentre estes, a minoria cada dia mais enriquecida e protegida pelo Estado, obviamente, na visão de Vitor Bento e de outros inteligentes iluminados e privilegiados deste país, governantes ou não, mais do que justamente compensados pelo seu insubstituível e desgastante contributo de gestão e administração, só possível pela excelência do seu currículo técnico-profissional e académico e pelas competências que lhes são inerentes, tem ou teve alguma responsabilidade na crise crónica que levou Portugal à quase bancarrota e ao níveis de notação que as agências rating nos reconhecem de permanente “lixo financeiro”. Provavelmente, não, dirá Vitor Bento, aplaudido de perto por todos os seguidores da mesma corrente filosófica.
A 30 de Julho, Vítor Bento, acompanhado por José Honório e Moreira Rato, conhecedores da situação caótica do BES, solicitaram à ministra uma reunião, "pois estavam muito preocupados com o volume de prejuízos" semestrais de 3600 milhões, os maiores de sempre da história empresarial portuguesa. "E perguntaram se seria possível uma intervenção no BES nos moldes da do Banco Internacionald do Funchal (Banif)”.
(http://www.publico.pt/politica/noticia/maria-luis-diz-que-nunca-foi-apresentado-um-plano-de-recapitalizacao-do-bes-1676807)
Porém, o “Governo não mostrou disponibilidade para a capitalização pública do BES", concluiria Vitor Bento.
O Governo tirou-lhe o tapete, senão, poderíamos vir a assistir a mais um tremendo descalabro em termos de finanças públicas, orientadas teoricamente para retirar da fossa mais uma instituição bancária mal gerida e esburacada por negócios e atos de corrupção, alegadamente, levados a cabo por Ricardo Salgado e outros membros responsáveis pela sua administração, reabilitação essa que iria realizar-se, uma vez mais, à custa do esforço e suor de todos os contribuintes. O processo BES ainda não terminou e ninguém nos garante que tal não venha a acontecer. Todavia, para Vitor Bento, a recapitalização era a medida mais ajustada ao trabalho de recuperação do segundo maior banco privado português, ainda por cima, com o aval do Banco de Portugal.
O défice e a dívida lançaram o país nas mãos da Troika, mas os culpados da crise, afirma Vitor Bento, são “os portugueses, [que] estão a viver muito acima das suas possibilidades”. Tem piada, não tem?
Embora este ilustre economista não especifique quais os portugueses que têm vivido ou vivem ainda acima das suas possibilidades, calculamos que se refira àqueles que constituem a grande maioria, já que a minoria de que faz parte, essa, seguramente, poupada, contida nos gastos, profundamente contributiva e solidária com o crescimento e a riqueza nacional, em nada terá contribuído para tal fatalidade: a crise. Para que ninguém fique com sentimentos de culpa indevidos, com traumas dificeis de apagar, com sentimentos de angústia capazes de gerar transtornos obsessivo-compulsivos dificeis de tratar, seria bom que Vitor Bento pudesse, então, identificar que grupos ou classes de cidadãos têm vivido ou ainda vivem acima das suas possibilidades, por forma a que a restante sociedade possa, definitivamente, estabelecer normas de contenção a esse perdularismo que afeta a paz, a tranquilidade e o equilíbrio psicológico e vivencial do país…e com vista a que se não continuem a afetar, tão violentamente, as “contas públicas”.
João Frada
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