segunda-feira, 24 de março de 2014

INTERROGAÇÕES

O país confronta-se com uma tremenda dívida, pública e privada, e vive, por isso mesmo, afogado num Défice que resulta de uma décalage brutal entre o Deve e o Haver, entre Despesa e Receita, em suma, entre o que Gasta e o que Produz.
No que diz respeito à dívida do Estado, os nossos governantes, sobretudo os mais “dotados para contas”, não necessariamente os mais sensatos, responsáveis e politicamente honestos, sabem que, por mais voltas que deem para tapar os profundos buracos das Contas Públicas, ou melhor, as crateras escavadas pela má gestão e administração governamental, quer no passado quer em tempos mais recentes, com cooperação partidária ou sem ela, vão ter sérias dificuldades de criar mecanismos suficientemente eficazes para a redução do dito Défice. 
E porquê? 
Porque, ainda que a política do laissez faire, depois da vinda da Troika, tenha levado umas boas tesouradas, a filosofia despesista de que todos os governantes enfermam, sobretudo quando se trata de assegurarem os seus privilégios, sejam quais forem as suas cores partidárias, não abranda nem parece tender a sofrer grandes reformas ou contenções. Subvenções para tudo e para todos os que, de algum modo, vivem na esfera do poder, vencimentos chorudos para um séquito enorme de assessores e adjuntos, considerados especialistas nisto e naquilo, muitos deles acabados de sair da universidade, e é assim que se somem os dinheiros públicos. 
Entre 2009 e 2012, a dívida pública passou de 83.7% para 123.6%, independentemente de todas as operações de vendas de património de Estado, realizadas durante este período, as quais, no fundo, como se viu, pouco serviram para aplacar o mesmo Défice. 
É caso para dizer: foram ou vão-se os anéis e ficam os dedos cada vez mais esquálidos e nus.  
As estratégias dos grandes partidos no poder, em alternância permanente, não surtem grandes resultados. 
As exportações têm sido o único braço funcionante da nossa economia. Resta saber até quando e se será suficientemente forte para arrastar o corpo restante que pouco produz e muito gasta. 
Os indivíduos mais novos, que em qualquer parte do Mundo são a melhor força de trabalho produtivo, têm emigrado aos milhares para fora de Portugal e esta sangria demográfica e laboral não irá ficar por aqui. Mais gente continuará a rumar a outras paragens, onde disponibilizará braços e mentes para engrandecer outros países. Portugal vai ficando mais pobre e mais deficitário, mas não apenas na economia. Esta geração viva e cheia de vigor, potencialmente, “troncos, braços e pernas” da nossa economia, capaz de gerar o aumento do nosso PIB (Produto Interno Bruto), vai contribuir para o desenvolvimento e enriquecimento de outros países.    
Os que cá ficam, dos 20 aos 30 anos confrontam-se com uma dificuldade enorme em obter emprego. Os números do INE, 40% de desemprego jovem, traduzem na perfeição a realidade. Poderiam produzir, mas não produzem. Apenas gastam o que têm, o que não têm e a aquilo que as famílias ainda vão tendo, magros pecúlios de melhores tempos.
Entre os 40 e os 60 anos, sejam eles do setor público ou do privado, quando perdem o emprego, e têm sido muitos os que, mês após mês, são postos na rua, porque pesam no orçamento do Estado ou não respondem aos objetivos híper-produtivos traçados pelas empresas, para viver temporariamente do subsídio de desemprego, aumentando a dívida pública, e quando ele acaba vão gastando o pouco que amealharam, após o que, se não morrerem de doença, de fome ou de miséria, ou não se dedicarem ao furto ou à mendicidade para sobreviverem, terão de se socorrer da família ou das instituições de caridade. Estas organizações filantrópicas e humanitárias, e a Caritas é disso exemplo, estão prestes a entrar em rutura em todo o lado, tal é a quantidade crescente de desesperados que a elas recorrem diariamente.
Estes desempregados, mais novos ou mais velhos, como é óbvio, nada produzem. Apenas gastam e pesam no Estado Social. Não contribuem rigorosamente com nada para a produção nacional. NADA. Ainda que queiram ardentemente trabalhar, ninguém lhes dá emprego e, por outro lado, nem todos têm capacidade criativa ou gozam de apoios para se lançarem no mundo do microcomércio ou da microindústria.  
Os governantes, esses, independentemente da sua marca partidária, governam sem quaisquer pressões de responsabilidade criminal, sejam quais forem os prejuízos que venham a causar ao erário público, por dívidas ou erros de gestão…o Estado paga sempre, ou quase sempre, e não é ressarcido do que perde…; não sofrem de síndromes de desemprego; não se têm ralado muito com a resseção dos maiores cancros da nossa economia (SWAP e PPP); ganham bem demais para o que produzem; gastam demais para o que fazem; gozam de demasiados privilégios (subsídios, subvenções e outras mordomias) para aquilo que os seus cargos lhes exigem, comparativamente com quaisquer outras profissões do setor público e até privado, e não abdicam de um permanente despesismo, trate-se de administração central ou autárquica, que durante o Governo de Sócrates, com Teixeira dos Santos à frente do Ministério das Finanças, foi mesmo reforçado por legislação apropriada, aumentando os plafonds de verbas atribuídas aos diversos escalões da governação e isentando-os de prévia autorização do Tribunal de Contas. Esta, foi apenas mais uma das criteriosas medidas para a Redução do Défice, como dá para ver. Com governantes desta natureza, alguém acha que Portugal vai ganhar a “guerra da redução da Dívida e do Défice”? 
Segundo a douta opinião de muitos governantes e economistas, o país está em crise porque as famílias gastaram mais do que deviam, viviam acima das suas posses, gastaram mais do que aquilo que dispunham. O contexto sociológico de euforia económica que se atravessou e terá perdurado durante quase duas décadas, alimentado pelo próprio Estado e por todas as instituições que a ele estavam ligadas, e a Banca foi o principal motor desse estado utópico, oferecendo cartões de crédito como quem oferece milho aos pombos, contribuiu fortemente para o desequilíbrio orçamental em que nos encontramos. Mas não foi apenas a sociedade em geral que se entusiasmou e sofreu de desnorte económico. O Défice não resulta apenas disso, mas também das despesas excessivas do Estado, quer em gastos sociais quer em gastos com a administração pública. Angel Gurria, da OCDE, bem informado sobre os vícios e a ligeireza com que os nossos governantes rebentam com o erário público, somando milhões atrás de milhões de dívida à Dívida Pública, aconselhou o Governo potuguês a impor, definitivamente, um tecto máximo para a despesa pública, de modo a conter o seu crescimento desenfreado. Em vão. Os números falam por si: entre 2009 e 2012, voltamos a lembrar, segundo dados do Eurostat, a dívida pública portuguesa aumentou de 83,7% para 123,6%. 
Aí vêm os investimentos de fora e as ajudas alemãs para animar o emprego e tirar-nos da crise, dizem todos os papagaios do Governo e promete Ângela Merkel. De promessas está o inferno cheio. Quais investimentos? Que tipo de investimentos? Quantos investimentos? E se vierem, integram a maioria do contingente desempregado do país? Não acreditamos. Os mais velhos, dos 50 para cima, ou talvez um pouco mais novos, acima dos 40, dificilmente virão a ser recrutados. Irão continuar, como é óbvio, a pesar na balança desequilibrada do Estado Social e, consequentemente, a contribuir para o aumento e não para a redução do Défice.
O Estado, para além das exportações, precisaria que a taxa de poupança aumentasse, mas não apenas à custa de 15 ou 20% de famílias. Isso não chega. Atualmente, com o desemprego, a redução drástica de salários e o aumento da carga fiscal, cerca de 50%, senão mais, das famílias portuguesas têm taxas de poupança negativas. Mas, se a diminuição da taxa de poupança veio a determinar um aumento exponencial do Défice e da Dívida Externas, contribuindo para os tremendos desequilíbrios económicos que avassalaram o país e o mergulharam numa crise e numa austeridade sem precedentes, embora, realmente, as famílias e empresas menos ponderadas em relação a investimentos, acessos a créditos bancários e riscos financeiros, tenham contribuído para esses desequilíbrios, o Estado dissipador e perdulário, assumindo operações e contratos de risco (PPP e SWAP) altamente lesivos da Fazenda Pública, não tem conseguido assumir nem promover com eficácia e credibilidade quaisquer estratégias de poupança, quando deveria ser o primeiro a dar o exemplo. Cortando ou diminuindo os incentivos fiscais, rompendo abusivamente contratos de confiança com o cidadão, defraudando as suas perspetivas de investimento, como foi o caso das remunerações dos certificados de aforro, entre 2006 e 2008, o Estado tem posto em causa o sucesso das políticas de poupança.      
A Economia do país, com tantos cortes, impostos, taxas e austeridade duradoira, confrontada, por isso mesmo, com 85% ou 86% de população sem poder de compra, atendendo aos limitados vencimentos incapazes de gerar qualquer dinâmica interna, não poderá contar com grande receita. Poupanças, essas, com a magreza de salários em que a maioria da população caiu e irá continuar, também não nos parece que possam vir a tirar ninguém da forca…muito menos a reduzir significativamente o Défice. Gasta-se menos, porque se poupam mais umas migalhas, mas também não se investe nem se estimula a economia interna, porque o poder de compra é baixo e apertado e não dá para tudo. O comércio não movimenta o que se espera, a indústria interna arrefece ou deixa de produzir, porque diminui o consumo, as empresas tendem a colapsar ou a reorganizam-se, reduzindo os seus efetivos, quase sempre através do despedimento, o desemprego, necessariamente, aumenta e a receita tributária diminui, quer em IVA quer em IRC. 
Sabemos que a saída da situação de crise da Dívida Soberana, que tem estrangulado fortemente a economia do país, exige, entre outras atitudes político-sociais, que se estimule e alargue o hábito de poupar na população. Nessa medida, uma vez mais o reafirmamos, deveria ser o Estado o primeiro a dar o exemplo mas, afigura-se-nos difícil, senão mesmo utópica, tal mudança mental e cultural, uma vez que, tendo em conta experiência democrática de quase quatro décadas, a marca governativa de gestão dos recursos nacionais tem sido de delapidação contínua e não de poupança.   
A Poupança conseguida por uns, sortudos com emprego que, apesar de não terem privilégios, subvenções ou mordomias de qualquer espécie, têm a sorte de poderem trabalhar e de amealharem, depois da enorme sangria fiscal (50 a 60% dos rendimentos), umas migalhas em depósitos bancários, sem taxas de juros nem lucros presidenciais de estilo BPN, é inquestionavelmente a Despoupança de outros, gastadores do que não é seu, dinheiro público, disponível e indisponível, daí a dívida brutal a que assistimos.
Os resultados ruinosos dos negócios realizados pelos nossos governantes todos os dias vêm à tona: a FCM (Fundação para as Comunicações Móveis) ou fundação do Computador Magalhães, acabámos de confirmar, contraiu uma dívida de 69 milhões de euros, junto da TMN/MEO, da Optimus e da Vofafone, operadores móveis que participaram no Programa Escola, lançado pelo Governo de Sócrates, em 2008. Mas, a despesa total com este programa, segundo auditoria da IGF (Inspeção Geral de Finanças) ascende a 287,6 milhões de euros. 
Um exemplo de poupança espantoso, este, vindo do próprio Estado. 
A menos que haja um razoável perdão de dívida, tal como, por duas vezes, foi concedido à Alemanha, ou se descubram fontes inesgotáveis de ouro e de petróleo no nosso subsolo e, a par de um desses milagres, Portugal possa vir a contar com governantes mais sérios, sensatos, honestos e comedidos em gastos e privilégios, o que nos parece difícil, conhecendo-lhes os podres como conhecemos, os nossos PIB e Défice e a nossa Dívida não se endireitarão tão depressa.    

João Frada


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